Folha de S. Paulo


Tradutora de japonês pioneira no Brasil começou ofício para educar filho

Uma dona de casa, mãe de quatro adolescentes, sempre ouve reclamações de que é rígida demais. Tenta mostrar aos filhos livros de samurai, para explicar as razões da estrita conduta japonesa, mas não encontra versões em português. Decide, então, fazer uma sozinha.

Foi o que levou Leiko Gotoda, 74, a se tornar uma das principais referências em tradução do japonês no Brasil.

A obra escolhida para o pontapé inicial foi "Musashi", épico de Eiji Yoshikawa publicado pela primeira vez em 1935 e que rendeu um calhamaço de mais de 1.800 páginas. O empreendimento arriscado foi um inesperado sucesso de vendas e abriu caminho para um boom de traduções do japonês.

"Acho que havia uma demanda reprimida, mas outros dizem que foi o 'Musashi' que despertou o interesse", diz Gotoda. Desde o lançamento da obra, em 1998, ela transpôs livros de autores que vão de Haruki Murakami a Kenzaburo Oe, ganhador do Nobel de Literatura de 1994, passando por seu tio, o aclamado Junichiro Tanizaki.

Karime Xavier/Folhapress
Leiko Gotoda, uma das principais tradutoras do japonês para o português
Leiko Gotoda, nissei (filha de japoneses), é uma das principais tradutoras do japonês para o português

Traduzir o parente famoso, que lamenta não ter conhecido, era um trabalho como os outros para ela. Exceto quando conseguia vislumbrar coisas que percebia serem autobiográficas. "Eu me sentia constrangida, parecia que eu estava espiando."

Adaptar um texto japonês para brasileiros é sempre um desafio. Além da enorme diferença léxica, em que até a ordem gramatical precisa ser rearranjada, há a questão dos costumes. "O Japão tem uma cultura 'sui generis'" explica. "Se você não a conhece profundamente, não entende metade das referências."

Outro aspecto que dificulta é a ambiguidade própria da língua. Os verbos, por exemplo, não deixam claro seu sujeito, dependendo dos complementos da frase.

"O japonês fala tudo o que precisa ser dito em poucas palavras", diz a tradutora. Para Gotoda, o confinamento do povo numa ilha, sem interferência externa durante boa parte de sua história, criou um entendimento comum entre os habitantes, o que acabou por sintetizar o idioma.

Gotoda diz ler muitos autores brasileiros e afirma adorar Guimarães Rosa e Jorge Amado -este último, pela "facilidade da linguagem".

Sobre escritores japoneses favoritos,ela diz gostar de todos igualmente. Mas sabe apontar o autor que mais a incomoda: qualquer um que esteja traduzindo no momento. E é comum que, imersa nas complicações do texto, pragueje: "Porcaria de autor, por que não escreve de maneira menos tortuosa?"


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