Folha de S. Paulo


'Fui jogada das pedras', disse vítima de estupro coletivo no Piauí

Da UTI, ela teclou para a amiga: "Cansada, machucada. Fui agredida, jogada das pedras". Para um outro amigo, ela escreveu: "To mau (sic). Não posso falar. Preciso conversar depois, contar tudo só pra vc".

As últimas mensagens de Danyelle Feitosa, 16, morta no último domingo no Piauí após ser vítima do estupro coletivo : e ficar dez dias internada na UTI, circulam entre as amigas, incrédulas. "A ficha ainda não caiu. Parece que ela ainda vai chegar aqui brincando", diz uma delas, de 17.

Aluna do terceiro ano do ensino médio, Danyelle já se preparava para o próximo Enem. Queria estudar medicina. "Ela só tirava 9 e 10. Nunca deu trabalho na escola", afirma o pai, Jorge Feitosa, dono de um mercadinho.

Josefa, mãe da garota, está em choque —não sai de casa, onde ainda mora um irmão de Danyelle, de 21 anos.

O pai conta que o quarto da filha, na parte de cima do sobrado, segue fechado. "Ainda não conseguimos subir e olhar para as coisas delas."

Ele diz que tenta se apegar ao trabalho, mas se lembra da filha o tempo todo. "Ela me ajudava no caixa diariamente. A todo momento acho que ainda vou vê-la ali", conta.

O mesmo diz padre Tadeu, da paróquia que a menina frequentava desde a infância. "Fez comunhão, participava do grupo de jovens. Era otimista, de bem com a vida."

As meninas vítimas do estupro coletivo são amigas de longa data. R., 17, é a única que permanece internada.

Ela e Danyelle eram inseparáveis. Todos os dias iam e voltavam juntas de moto da escola —mesmo sem ter CNH.

Sofreu traumatismo craniano, perda de massa encefálica, além de lesões pelo corpo, mas não corre risco de morte. Segundo um médico do Hospital de Urgência de Teresina, ela ainda apresenta dificuldade de fala e de entendimento. Passa por exames neurológicos para avaliar essas sequelas.

Segundo o irmão, de 27 anos, ela não toca no assunto do estupro, só fala sobre as lesões físicas sofridas.

J., 15, teve alta na segunda-feira, após passar por cirurgias no pulso e no tornozelo. Foi quando soube que a amiga havia morrido na véspera. "Chorou muito, está abatida, não se conforma", diz o pai.

Para a equipe médica, a menina disse que vai rezar pelos estupradores. "Esperávamos revolta, raiva, não uma reação dessas", afirma o médico Gilberto Albuquerque. Ela frequenta a Igreja Batista. "Tem muita fé em Deus. É isso que sustenta ela", explica o pai.

OUTRO LADO

As famílias de pelo menos três dos quatro adolescentes apreendidos sob suspeita de estupro coletivo afirmam que eles são inocentes. Duas dizem que a confissão inicial se deu mediante espancamento, negado pela polícia.

O desempregado Adão José de Souza, 40, é apontado pela polícia como mandante. Ele era procurado acusado de assaltar a gerente de um posto de gasolina e de atirar contra ela. Em depoimento, assumiu a autoria do assalto, mas negou a do estupro.

A mãe de B.F.O., 15, diz acreditar na inocência do filho. "Ele pode já ter feito muita coisa errada, mas isso [estupro], não. Ele nega."

O pai de J.S.R. 16, afirma haver testemunhas que viram seu filho trabalhando. "É por acreditar na inocência dele que estou indo atrás. Quero que ouçam as testemunhas. Se no final as provas mostrarem que ele é culpado, tudo bem, ele vai pagar por isso", diz ele, que afirma ter havido espancamento do filho.

A mãe de G.V.S., 17, diz que seu filho começou a se envolver com drogas aos 13 anos, mas que alega inocência nesse caso e diz ter confessado porque foi espancado.

O pai de I.V.I., 15, diz que não falou com seu filho após a apreensão e, por isso, não sabe qual é a versão dele. Com 18 BOs em um ano, o garoto suspeito usa droga desde os oito.

O caso está sob segredo de Justiça. A defensora pública que acompanha os suspeitos disse que, por isso, não poderia se pronunciar, nem mesmo para apontar detalhes das alegações dos jovens.


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