Folha de S. Paulo


Moradores de área nobre temem 'mistura de classes' com prédio popular

Moradia popular é que nem feira livre: a maioria dos paulistanos acha importante que exista, mas ninguém quer uma na porta de casa.

A definição, usada por Adaucto Durigan, ex-subprefeito da Lapa (zona oeste) e atual coordenador do Fórum Social da Vila Leopoldina, ilustra a batalha travada neste e em outros bairros de São Paulo desde que foi enviada à Câmara, na semana passada, a proposta da gestão Fernando Haddad (PT) de revisão da lei de zoneamento.

A lei é complementar ao Plano Diretor, aprovado no ano passado, e determina o que pode ser construído em cada território da cidade e quais usos são ali permitidos.

Na Vila Leopoldina, bairro em franca ascensão social, apelidado por alguns moradores de "nova Moema", a prefeitura demarcou como Zeis (zonas de interesse social) um terreno de mais de 30 mil metros quadrados que fica no meio de dois condomínios de luxo, com apartamentos de até R$ 3 milhões.

Para Telma Prats, 55, analista de marketing que mora no bairro, a notícia da chegada da moradia popular caiu como uma bomba.

"Achei que ali seria construído um shopping!", diz. "Colocar moradia popular vai facilitar a entrada de criminosos. A mistura [de classes] aumenta a inveja."

O empresário Ricardo Yai, 35, também teme que as novas moradias desvalorizem a região e comprometam a segurança. "Não quero desmerecer este tipo de habitação, mas ela costuma trazer um entorno de moradores de rua e de usuários de drogas. O risco é que ocorra isso aqui."

"Moradia popular não traz nenhum benefício para quem já mora aqui, só para quem vem para cá", completa a administradora Karina Barbosa do Nascimento, 28.

Para Fernando de Mello Franco, secretário municipal de Desenvolvimento Social, a demarcação de Zeis é uma questão de equidade social, e ser contrário a isso é indicativo de discriminação. "São Paulo é muito segregada social e territorialmente."

CASA X BIBLIOTECA

Segundo o secretário, exemplos como o conjunto habitacional Jardim Edite, na zona sul, e o projeto da operação urbana Água Branca, na zona oeste, são exemplos de acolhimento digno aliado a parques e serviços.

A Associação Vila Leopoldina, contrária à Zeis, reúne moradores dos novos condomínios da região e alega que o terreno, uma antiga garagem de ônibus, está contaminado. A entidade defende que no local sejam construídos um parque e uma biblioteca.

Para Durigan, a proposta é inconsistente. "Está contaminado para moradia, mas não para biblioteca?", questiona. Segundo ele, há favelas no bairro, cujos moradores poderiam ser atendidos pelo projeto, "acabando com esse tipo de submoradia na região".

Alexandra Swerts, 42, do conselho participativo da Lapa, afirma que há muita gente contrária às Zeis porque tem como referência "velhos padrões, como o do Cingapura" –projeto de verticalização de favelas implantado na capital na década de 1990.

Para ela, os moradores precisam se articular para garantir um novo modelo de habitação popular, moderno e que combine com o bairro.

"A gente tem a chance de construir algo inovador, que alie moradia, jardins, serviços de educação e de saúde. Quero um lugar aonde eu possa ir com meus filhos."


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