Folha de S. Paulo


Grupo dos EUA pede quebra de patente de remédio contra hepatite C no Brasil

Ativistas de diversos países estão em busca da quebra de patentes da droga Sovaldi, que é vendida amplamente contra a hepatite C, alegando que o preço praticado pelo fabricante, Gilead Sciences, é proibitivo.

Initiative for Medicines, Access and Knowledge (iniciativa para acesso e conhecimento de medicamentos, em português), grupo jurídico de Nova York, deve anunciar nesta quarta-feira (20) a abertura de ações na Argentina, no Brasil, na China, na Rússia e na Ucrânia. Em todos esses países, exceto na China, a organização tem o apoio de grupos de advocacia locais especializados em patentes.

As ações indicam que a controvérsia em torno do Sovaldi está se espalhando a partir dos Estados Unidos para países com renda média. Nos Estados Unidos, o custo de US$ 84 mil (cerca de R$ 254 mil) para um ciclo de tratamento fez o Medicaid –programa público de saúde norte-americano para pessoas de baixa renda– ter que esticar seu orçamento.

O Sovaldi, quando usado com outra droga, pode curar a maioria dos casos de hepatite C em 12 semanas com poucos efeitos colaterais, o que tem feito crescer a demanda pelo remédio ao redor do mundo. Globalmente, cerca de 150 milhões de pessoas têm hepatite C, que destrói gradualmente o fígado.

A Gilead liberou para 11 fabricantes de medicamentos genéricos na Índia a produção de sofosbuvir, como o Sovaldi é conhecido genericamente, para venda em 91 países em desenvolvimento. Mas esse grupo não inclui países de renda média como Argentina, Brasil, China e Ucrânia, nem a Rússia, que é considerada um país de rendimentos elevados de acordo com os padrões do Banco Mundial.

A I-MAK, como a organização de Nova York é conhecida, estima que seriam necessários US$ 270 bilhões para tratar as 40 milhões de pessoas com hepatite C nestes cinco países, levando em conta que a Gilead cobre na maioria dos outros países os mesmos US$ 7.500 por tratamento que está propondo no Brasil.

"O que isso significa, de maneira simples, é que pessoas que precisam da droga não estão tendo acesso a ela ou não terão no curto prazo", disse Priti Radhakrishnan, fundador e diretor do I-MAK. "Se não houvesse patentes, a versão genérica vendida por cerca de US$ 1.000 na Índia poderia estar à venda nos outros países também."

Ações para quebra da patente já ocorrem em outros lugares. Em janeiro, o escritório de patentes da Índia negou a patente do sofosbuvir após uma ação iniciada pela I-MAK e advogados locais. Uma disputa judicial também foi iniciada em fevereiro na Europa pela ONG francesa Médicos do Mundo (Médecins du Monde).

Representantes da I-MAK disseram que seria muito dispendioso para eles tentar quebrar as patentes da Gilead nos EUA. Eles afirmam, no entanto, sem citar nomes, terem sido contatados por outras pessoas interessadas na ação.

Gregg H. Alton, vice-presidente na Gilead, disse que a companhia "está trabalhando para facilitar o mais rápido possível, e no maior número de lugares possível, o acesso de pacientes estrangeiros ao tratamento para a hepatite C". Segundo ele, ao menos 50.000 pessoas em países em desenvolvimento já receberam tratamento com o sofosbuvir.

"Entendemos que as ações contra nossa propriedade intelectual são uma consequência inevitável do esforço de implementar um acesso global a produtos tão revolucionários", disse Alton. A Gilead também enfrentou ações contra suas patentes de drogas contra o HIV, algumas abertas pelos mesmo grupos que agora tentam quebrar suas patentes no caso da hepatite C.

Alton disse que a Gilead deve assinar em breve um acordo com o governo brasileiro que permitirá um aumento significativo no número de pacientes tratados.

Marcela Vieira, advogada envolvida na ação de quebra de patente no Brasil, disse que o governo propõe tratar apenas os pacientes cujos figados já mostrem sinais de danos. Segundo ela, se o preço do tratamento fosse menor do que os US$ 7.500 propostos pela Gilead, o governo poderia cuidar também de casos menos avançados da doença.

A advogada, coordenadora do GTPI/Rebrip (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos), disse que com mais de US$ 16 bilhões em vendas desde o lançamento do Sovaldo, no final de 2013, a Gilead "já recuperou muito mais do que gastou" em pesquisa e desenvolvimento da droga.

As patentes ainda não foram concedidas no Brasil, na Argentina e na Ucrânia, onde os grupos tentarão evitar que isso ocorra. Os advogados argumentam que o sofosbuvir não traz novidades em comparação com os compostos presentes em outros pedidos de patente.

"Apesar dos benefícios médicos do sofosbuvir, ele é baseado em ciência velha", disse Radhakrishnan.

Este, no entanto, pode ser um argumento difícil de defender. Um dos funcionários do departamento de patentes da Índia, país onde é notória a dificuldade de patentear drogas, escreveu em sua decisão em janeiro "não hesitar em reconhecer a novidade" do sofosbuvir.

Ele negou a patente, no entanto, baseado em uma controversa cláusula da legislação de patentes da Índia que requer que uma nova droga seja mais efetiva no tratamento de pacientes que uma anterior similar. Esta cláusula foi a razão pela qual a Suprema Corte da Índia negou à Novartis a patente da droga contra leucemia Gleevec.

No caso do sofosbuvir, a Gilead falhou em mostrar que a nova droga era mais efetiva que um composto presente em um pedido de patente de outra companhia, que a Gilead afirma nunca ter sido desenvolvido como droga. O caso foi enviado de volta ao departamento de patentes para ser reexaminado.


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