Folha de S. Paulo


Alckmin usa menos rigor do que propõe contra menores infratores

Ao mesmo tempo em que defende uma mudança na lei para ampliar para oito anos o tempo máximo de internação de adolescentes que cometerem infrações graves, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) mantém poucos jovens internados pelo período máximo hoje permitido, de três anos.

A contradição aparece em levantamento de 3.712 infrações cometidas por menores na capital paulista e que resultaram em 1.356 internações.

Desse total, 88 são autores de infrações de estupro, latrocínio e homicídio qualificado (equivalentes a crimes hediondos), sendo que apenas 12 ficaram internados por mais de dois anos. E só um deles pelo tempo máximo.

Os dados, de um levantamento do Ministério Público obtido pela Folha, referem-se a todos os casos que passaram pela Promotoria da Infância e da Juventude da capital, de 1º de agosto de 2014 a 30 de abril deste ano, com parecer final sobre a medida socioeducativa em execução.

Os casos analisados equivalem a quase 17% das cerca de 22 mil medidas em execução na capital paulista. Em média, o tempo de internação é de sete meses.

DECISÃO DA JUSTIÇA

Quem decide pela soltura é a Justiça, a partir de relatórios sobre os jovens emitidos pela Fundação Casa (antiga Febem), vinculada ao Estado. E, na grande maioria das vezes, os juízes decidem sobre o fim da internação apoiando-se nesses pareceres de psicólogos, assistentes sociais e monitores da fundação.

Para os promotores, há suspeitas de que a fundação abrevie as internações devido à superlotação. Em março, 32 das 51 unidades na capital tinham deficit de vagas. "Mesmo os que cometeram latrocínio não ficaram internados [por muito tempo]", diz o promotor Tiago Rodrigues.

"Se o Estado de São Paulo quer aumentar o tempo de internação, por que não o faz [dentro da lei atual]? Basta vontade política e reavaliação dos critérios utilizados. Não estão usando nem metade do potencial de prazo que as internações têm", afirma.

Para ele, é cedo para decretar a falência do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pois não é aplicado, o que cria sensação de impunidade. Já a Fundação Casa diz que segue o princípio constitucional de que a internação deve ser breve e que a palavra final sobre a soltura é da Justiça.

"Se hoje tem uma lei que fixa o tempo máximo de internação em três anos e que diz que o tempo deve ser o mais breve possível, não posso deixar todo mundo três anos", diz Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa.

Pela lei, quando um juiz decreta uma internação, ele não dá um prazo para a soltura –diferentemente do que ocorre quando um adulto é preso. Cada internação precisa ser reavaliada, no máximo, a cada seis meses, com base nos relatórios da Fundação Casa.

O projeto que endurece o ECA e, no caso de infrações graves, eleva o tempo máximo de internação de três para oito anos é bandeira de Alckmin na área da segurança pública. O tucano já foi algumas vezes ao Congresso para defender a medida -atualmente, o tema está em discussão em uma comissão da Câmara.

Editoria de arte/Folhapress

OUTRO LADO

O governo paulista afirma que é incorreta a noção de que todo menor infrator deveria ficar internado pelo prazo máximo previsto pela legislação "sem verificar as peculiaridades de cada caso e submeter cada um deles ao crivo do Judiciário".

Em nota, diz que o objetivo da proposta da gestão Alckmin ao Congresso -de ampliar para oito anos o tempo máximo de internação de menores que cometerem crimes graves- "não é o de manter menores internados por um prazo maior, mas desmotivá-los a cometer infrações, principalmente crimes bárbaros."

Segundo o Estado, quem decide sobre a soltura dos menores é o Judiciário, "fato também ignorado pelo estudo" do Ministério Público. No próprio governo, porém, não há consenso sobre os efeitos dessa proposta de Alckmin ao Congresso.

Para o Palácio dos Bandeirantes, o projeto não tem como objetivo manter os jovens internados por período maior. Já para a presidente da Fundação Casa, Berenice Giannella, se o Congresso aprovar a proposta, os adolescentes que cometerem crimes graves tenderão a ficar internados por mais tempo.

"O juiz pode a todo momento indeferir o relatório [da fundação]. Por que não indeferem? Porque eles veem a evolução do adolescente e interpretam a lei da mesma forma que a fundação."

A presidente da antiga Febem afirma que segue o princípio constitucional de que a reeducação e a ressocialização do jovem devem ser feitas no menor tempo possível. Sobre os casos de latrocínio e estupro, enfatizou: "[A internação] É de até três anos".

Giannella fez um paralelo entre o ECA e o Código Penal, válido para os adultos. Segundo ela, apesar de existirem crimes com penas de até 30 anos, "dificilmente alguém fica preso 30 anos".

"Se você for nos outros Estados, vai ver que todo mundo trabalha com tempo menor de internação. Então, enquanto não se muda a lei, nós, da Fundação Casa, não podemos ter uma interpretação diferente da lei", diz.

Sobre falta de vagas, ela diz que o Ministério Público está errado. Em 2008, quando não havia deficit, o tempo médio de internação de adolescentes que praticaram crimes hediondos foi de 358 dias.

Em 2014, já com as unidades superlotadas, o tempo médio nesses casos teve ligeira alta, para 368 dias. Ainda segundo ela, o levantamento não tem rigor científico e só leva em conta parte da realidade da capital.


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