Folha de S. Paulo


Em SP, 4 em cada 10 desistem de ação anticrack de Haddad

Assista

"Tem que falar pro prefeito resolver essa 'fita' aí, senhor." Olhos baixos, Paulo (nome fictício), 31, reclama.

Viciado em crack, ele diz não ter suportado varrer ruas em troca de R$ 15 por dia. "Tenho duas hérnias e não posso trabalhar, mas não é certo eles me deixarem quatro meses sem receber", afirma ele, que se orgulha de ter diminuído o consumo de dez para duas pedras diariamente.

Paulo é um dos 344 participantes que desistiram do programa Braços Abertos –que oferece moradia em hotéis na cracolândia e R$ 15 por dia de trabalho para tentar livrar o usuário do vício.

Ele é também um exemplo da complexidade do tratamento desses dependentes. A desistência representa 43% das 798 pessoas que aderiram ao programa, iniciado há um ano e quatro meses.

Aposta da gestão Fernando Haddad (PT) para enfrentar o fenômeno da cracolândia –que completa 20 anos–, o Braços Abertos tem hoje 494 beneficiários (305 homens e 189 mulheres).

Segundo a administração, aqueles que abandonaram a ação migraram para outros tipos de acolhimento ou voltaram para suas famílias. Não se sabe, porém, quantos deles já voltaram às ruas. Especialistas ouvidos pela Folha dizem que o índice de desistência segue o padrão dos demais tratamentos.

O programa municipal prega a chamada redução de danos, em que o dependente é incentivado a diminuir gradativamente o consumo da droga, sem internação e com oferta de emprego e renda.

Já a gestão do governador Geraldo Alckmin (PSDB) tem projeto antagônico. Batizado de Recomeço, o modelo estadual trabalha a saída do vício com tratamentos que incluem isolamento em hospitais e comunidades terapêuticas.

De acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier, coordenador de treinamento de agentes da ação da prefeitura, modelos de tratamento que não visam a abstinência deram certo em Vancouver (Canadá) e em Nova York (EUA).

"No Brasil, a maioria dos médicos tem visão forjada no falido modelo americano de guerra às drogas", diz Xavier. "Na cracolândia, estão pessoas que já viviam em exclusão. Temos que ensinar estratégias para que elas não tenham uma relação destrutiva com o produto", afirma.

Visão oposta tem o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do projeto estadual. "Achar que o usuário vai ficar na esquina onde se vende crack a R$ 2 e não vai usar a droga é não entender o que é dependência. Ele precisa de ambiente protetor, o que a rua não é", afirma.

OUTRO LADO

A gestão Fernando Haddad (PT) diz que a maior parte dos dependentes químicos da cracolândia que deixaram o Braços Abertos foi incluída em outros programas. Outra parcela voltou para suas famílias. A administração, porém, não informou o destino de cada um deles.

Editoria de Arte/Folhapress

Em entrevista à Folha na semana passada, a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Luciana Temer, disse que 41 dos dependentes retornaram para casas de familiares. A prefeitura afirmou que outros 65 beneficiários estão afastados em razão de licença-maternidade ou de problemas de saúde.

Sobre as razões da rotatividade de beneficiários, a gestão diz que há diversos fatores. "Entre eles a reunião familiar, a transferência para programas mais avançados, impedimentos sociais, psicológicos, familiares e de saúde", afirma, em nota.

O texto diz ainda que o programa "não computa índices de efetividade a partir de 'desistências' ou 'tratamento', devido à complexa dinâmica social do projeto". Segundo a administração, apesar de ainda haver consumo de crack nas ruas, houve redução de 80% do fluxo –aglomeração de viciados.

A secretária Luciana Temer diz que a constatação foi feita pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), com base em imagens de um ônibus com câmeras de longo alcance.

Na últimas semanas, essa aglomeração de usuários tem mudado de lugar diversas vezes ao dia. Isso ocorre desde a operação do final do mês passado que acabou em conflito e removeu a chamada "favelinha", conjunto de barracos dos viciados usados também para comprar drogas.

'UTOPIA'

Para o psiquiatra Dartiu Xavier, a cracolândia é resultado da extrema exclusão social dos dependentes, e não só da presença do crack. Ele diz que não é possível acabar com a cracolândia.

"É utópico pensar que vai acabar a cracolândia. O que podemos é ter medidas para dar a essa população algum alívio para não viver uma situação de tanta miséria e exclusão", diz o psiquiatra.

A prefeitura informou também que entre 70% e 80% dos participantes do programa relataram ter reduzido o consumo da droga.

Colaborou FELIX LIMA


Endereço da página:

Links no texto: