Folha de S. Paulo


Após confusão na cracolândia, ônibus são depredados e pedestres ameaçados

A região da cracolândia, no centro de São Paulo, voltou a registrar confrontos entre usuários de drogas e policiais militares no início da noite desta quarta-feira (29). Ônibus foram depredados, motoristas assaltados e pedestres ameaçados. Comércios da região também fecharam as portas.

O novo tumulto começou por volta das 17h30, quando dependentes fizeram uma barricada de fogo entre a rua Helvétia e a alameda Dino Bueno, e atiraram pedras contra policiais militares, que responderam com bombas de gás. Em meio à correria, a avenida Rio Branco foi fechada e ao menos um motorista chegou a ser roubado, fugindo logo em seguida pela contramão.

Um grupo de pessoas tentou incendiar um ônibus, que foi esvaziado, mas a polícia impediu o ataque. Já próximo ao terminal Princesa Isabel um outro coletivo foi depredado. "Chegaram jogando pedra. Pegaram minha bolsa e a do cobrador. Levaram o dinheiro e fugiram", disse a motorista de ônibus Netanias Lopes, 58.

Por volta das 18h20, a avenida Duque de Caxias também foi fechada e uma barricada de fogo foi montada. Alguns usuários de drogas ameaçavam pessoas pelas ruas da região, armados com facas e paus. Um grupo aparentando ser menor de idade chegou a roubar um agente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

"Enfiaram a mão dentro do carro e levaram meu celular novo. Vi um monte de criança com pedra, mas não consegui encontrá-los depois", diz a agente da CET Neuza Alves Martins. Ela abandonou o carro oficial e saiu correndo atrás dos jovens por diversos quarteirões, mas o esforço foi em vão. "Já desligaram [o celular]", disse desanimada após tentar ligar para o aparelho roubado utilizando outro telefone.

A comerciante Eliana Oda, 53, teve que fechar os portões da farmácia onde trabalha, na avenida Duque de Caxias, quando um grupo de cerca de dez jovens passaram correndo e ameaçando pedestres com pedras na mão. "Se essa confusão fosse resolver algo, eu até entenderia. Mas eu já vi isso muitas vezes aqui e nada muda. Amanhã vai estar igual como antes."

Por toda a região era possível sentir o cheiro das bombas de gás utilizadas pela polícia. Às 19h, as rua Helvétia e a alameda Dino Bueno estavam completamente interditadas.

Alguns usuários invadiram os comércios da região, entre eles um mercado Extra, localizado na alameda Barão de Limeira. Um segurança saiu correndo atrás de duas mulheres que tentaram furtar um carrinho de compras.

Editoria de arte/Folhapress

O comandante geral da Guarda Civil Metropolitana, Gilson Menezes, afirmou que a partir de agora serão apreendidos barracas e carrinhos que ficarem na cracolândia. "Há uma diferença entre o carrinho usado para a reciclagem e o outro tipo, maior, que acaba servindo para esconder drogas e armas", disse. Alguns guardas afirmaram que nos carrinhos foram encontrados e apreendidos vários produtos aparentemente roubados.

Segundo Menezes, os usuários de drogas não serão retirados à força do local.

Com a situação mais calma, por volta das 19h30, o secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, voltou a cracolândia. Usuários de crack reclamaram ao secretário que até mesmo suas galochas foram levadas pelos agentes dos prefeitura durante a limpeza no local. Suplicy então cobrou a GCM, que argumentou que os usuários não estavam ao lado de seus pertences durante a ação.

A confusão na região acontece após a prefeitura fazer uma operação para desmontar o conjunto de barracas montadas por usuários, que ficou conhecido como "favelinha". Segundo o prefeito Fernando Haddad (PT), a iniciativa visa combater o tráfico de drogas, que seria responsável por cerca de 30% das barracas do local.

Segundo o prefeito, a ideia da operação é convencer esses usuários a participarem do programa "De Braços Abertos", que oferece tratamento, hotel e trabalho aos usuários. Muitos viciados resistem a participar do programa por discordarem de regras impostas pela prefeitura, como horários a serem cumpridos.

TIROS

Mais cedo já havia sido registrado um outro confronto na região, que terminou com duas pessoas baleadas e um PM agredido.

Por volta das 14h, policiais militares à paisana que circulavam na região foram "descobertos" por um grupo de viciados, que se aproximou e tentou agredir os militares. Cercado, um dos policiais sacou a arma e fez alguns disparos. Um dos tiros acertou o chão, ricocheteou e atingiu a perna de um usuário.

A usuária Daniela Batista de Oliveira, 25, disse que estava próxima do local quando ocorreu a confusão. "Eles [viciados] tumultuaram pra cima dos policiais, aí os policiais deram um tiro para cima, depois deram um tiro no pescoço do Gordão e outro acertou a perna do outro homem. Agora acho que eles [usuários] vão tumultuar por causa desses tiros", disse.

Durante a confusão, presenciada pela Folha, outro viciado foi baleado por um tiro de raspão no pescoço. O secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, tinha deixado a região há poucos minutos. Ele afirmou que o governo estadual não sabia que a operação aconteceria nesta quarta.

Em nota, a PM afirmou que dois policiais que faziam o apoio à operação foram agredidos por vários moradores de rua, sendo um dos PMs atingido por uma barra de ferro na cabeça. Ainda de acordo com a corporação, um dos policiais fez um único disparo, em direção ao chão, para conter os agressores, sendo que os estilhaços atingiram as vítimas.

A polícia afirmou que os ferimentos dos dois moradores de rua foram superficiais e apenas um deles precisou de atendimento médico. Um dos policiais também foi encaminhado ao hospital e permanece internado. Um dos PMs envolvidos na ocorrência estava prestando depoimento à Polícia Civil no final da tarde.

PRAÇA

Com a remoção da "favelinha" na região da cracolândia, funcionários da prefeitura iniciaram a remoção dos tapumes que cercavam uma praça, construída a poucos metros da praça Julio Prestes, que teve a abertura adiada por conta da concentração de usuários de drogas.

Em entrevista à Folha, realizada nem março, a secretária municipal de Assistência Social, Luciana Temer, disse que a administração estava "segurando" a entrega do equipamento, que tem bancos de concreto e espaço para plantas, por causa do avanço do fluxo.

A secretária disse na ocasião, que a construção da praça é uma medida para tentar uma retomada pacífica e ordenada do local. "A ideia é fazer uma ocupação boa, para socializar, dar dignidade, com colocação de bancos para as pessoas se sentarem e de sombras", disse.

Editoria de Arte/Folhapress

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