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'Mula' de classe média, brasileiro executado assumiu culpa por cocaína

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O brasileiro Rodrigo Gularte, condenado à morte na Indonésia, ao ser preso em 2004
O brasileiro Rodrigo Gularte, condenado à morte na Indonésia, ao ser preso em 2004

No saguão do aeroporto de Curitiba, Rodrigo Muxfeldt Gularte se despediu da mãe com um abraço forte e um aviso algo enigmático que só faria sentido dias depois. "Mãe, se alguma coisa acontecer comigo, quero que a senhora saiba que eu te amo e tenho muito orgulho de você."

Aquela manhã de julho de 2004 foi a última vez em que Clarisse Gularte viu o filho em liberdade. Na bagagem dele estavam pranchas de surfe que escondiam, em um fundo falso, seis quilos de cocaína.

Filho de pais abastados, o brasileiro havia ido à Indonésia recrutado por um traficante de drogas, segundo investigação da Polícia Federal de Santa Catarina. Diferentemente de Marco Archer, executado em janeiro, Gularte não era traficante, mas sim "mula" –aquele que, em troca de dinheiro, aceita levar a droga para alguém.

"Ele entrou como mula do tráfico. Acho que, por ser carismático, educado, falar mais de uma língua, tudo foi fator para que ele fosse induzido a fazer isso. Pode parecer absurdo pensar que uma pessoa que trafica tem moral, mas ele tem. Ele sempre foi de ajudar os outros", disse Clarisse Gularte em entrevista à Folha em 2012.

Com o filho dela chegaram ao aeroporto de Jacarta dois outros brasileiros, que acabaram liberados –e hoje vivem em Florianópolis– após Gularte dizer que a droga era toda sua. "Foi um ato de heroísmo, para salvar os amigos que não sabiam da droga", diz Ricky Gunawan, advogado indonésio que o defende.

Clarisse disse que a primeira coisa que o filho lhe disse depois de ter sido preso foi perdão. "Ele pediu desculpas, estava envergonhado."

Nascido em Curitiba, Gularte teve infância e adolescência de menino de classe média alta por lá e também na fazenda da família no Paraguai. Foi usuário de drogas e chegou a ficar internado em duas ocasiões. Adulto, cursou três faculdades e não concluiu nenhuma. É pai de Jimmy, 21, que teve com uma namorada catarinense. O garoto sofre de autismo e não sabia da execução do pai.

A partir da prisão, tudo só piorou. Primeiro, a família perdeu dinheiro com maus advogados na Indonésia, que prometeram livrá-lo da prisão mas nem sequer foram ao julgamento de primeira instância. Gularte foi condenado em 2005 à pena de morte.

Depois vieram os problemas de saúde, que resultaram em esquizofrenia, constatada por dois laudos médicos. Em 2006, ele tentou se suicidar ao atear fogo no colchão da sua cela. Anos depois, parecia apático e deprimido. Preferia passar o dia isolado na cela. Enquanto seus colegas falavam com quem quisessem por celular (algo tolerado pelos guardas, embora oficialmente proibido), o brasileiro preferia não conversar com ninguém de fora, nem mesmo com a mãe.

Nos últimos meses, passou a ouvir vozes e tiros inexistentes, disse a prima, Angelita Muxfeldt, que, em fevereiro, viajou para Cilacap para tentar pedir a internação de Gularte em hospital psiquiátrico.

Editoria de Arte/Folhapress

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