Folha de S. Paulo


Ex-perueiros se tornam caciques do transporte em São Paulo

Eles rodavam a cidade dirigindo Kombis abarrotadas de passageiros e faziam parte de uma rede clandestina que no ano 2000 ganhou ares de legalidade. Na ocasião, o prefeito de São Paulo, Celso Pitta, numa jogada política, deu um alvará temporário aos chamados perueiros.

Quinze anos depois, alguns dos mesmos homens que literalmente ergueram o prefeito em comemoração saíram da condição de marginais do sistema de transportes e viraram empresários.

Atualmente comandam a operação de 6.000 micro-ônibus e ônibus e cuidam de uma engrenagem que transporta cerca de 4 milhões de passageiros na capital paulista, com faturamento de R$ 2,6 bilhões por ano –43% do sistema municipal.

Apelidado de "Doidão", Valter Bispo, 46, era um ilegal. Comanda hoje a Transcap, empresa que atua na zona sul, com 300 veículos.

Karime Xavier/Folhapress
Valter Bispo, 46, comanda a Transcap, na zona sul, com 300 veículos
Valter Bispo, 46, comanda a empresa Transcap, na zona sul, com 300 veículos

Ele ri ao se recordar de um protesto em que se vestiu de noivo e simulou o casamento da então prefeita Marta Suplicy (PT), em 2001, como forma de pressioná-la a legalizar a situação dos perueiros. À época, a prefeita estava de casamento marcado com Luís Favre, hoje seu ex-marido.

Editoria de arte/Folhapress

"Atualmente operamos como qualquer empresa e temos certificados de qualidade. Crescemos muito de lá para cá", disse ele, que tem uma segunda empresa, de transporte de combustíveis.

O padrão de vida também melhorou muito. "Tenho minha casa, um carro bom, mas me considero administrador, não empresário", diz.

Bispo e um grupo de empresários presidem as antigas cooperativas de transportes.

Entraram definitivamente no sistema após ganharem licitação em 2003, aberta durante a gestão petista.

Passado esse tempo, saíram de cena as Kombis e as Bestas financiadas "a perder de vista" e entraram ônibus e micro-ônibus novos, além de investimentos em garagens de até R$ 100 milhões.

Se antes viviam num jogo de gato e rato com a polícia e a fiscalização municipal, agora os antigos camelôs do transporte querem se manter no comando do negócio.

Estão de olho na licitação que a gestão Haddad fará neste ano e devem concorrer com os empresários de ônibus tradicionais, que operam hoje nos grandes corredores.

INVESTIGAÇÕES

No começo deste ano, os antigos perueiros deixaram de se reunir em cooperativas –sistema no qual, ao menos na teoria, cada um é dono de seu veículo e ganha pela quantidade de passageiros. Tiveram que virar empresas, prerrogativa para participar da próxima concorrência.

De 2003 para cá, algumas cooperativas não só cresceram como se tornaram alvo de investigações sobre suposta presença do crime organizado, incluindo a facção criminosa PCC, em garagens.

Luiz Carlos Pacheco, o Pandora, estava entre os que jogaram Pitta para cima na comemoração. Na ocasião, tinha apenas detenções por fazer transporte clandestino.

Em 2006, presidente da Cooperpam, foi preso sob suspeita de atuar no plano de resgate de um preso. A Justiça concluiu não haver provas. O inquérito foi arquivado.

Hoje, a Transwolff, que absorveu a Cooperpam, é uma das maiores do sistema, com 1.200 ônibus ou micro-ônibus e garagem de R$ 100 milhões.

Com ele também foi acusado Paulo Korek Farias, 46, que atuava numa garagem associada à Cooperpam.

Karime Xavier/Folhapress
Paulo Korek Farias tem empresa com 513 veículos e é empresário do grupo Katinguelê
Paulo Korek Farias tem empresa com 513 veículos e é empresário do grupo Katinguelê

Hoje, Farias é dono da A2, empresa com 513 veículos, que atua no extremo sul, e de uma viação em Cubatão (a 56 km de SP). "Nenhum diretor de cooperativa se envolveu com crime. Jamais", disse Farias, após posar para fotos.

Vestindo terno e sapatos importados, ele lembra que usava uma perua branca para transportar passageiros da região do Campo Limpo à Vila Mariana. "É motivo de orgulho olhar para trás e ver o que a gente construiu", disse ele, que mora na região do Jabaquara e é empresário do grupo de pagode Katinguelê.

Tanto na empresa dele como na maioria das demais, a frota é subcontratada, já que antigos cooperados passaram a ser agregados. As garagens, no entanto, ainda pertencem às antigas cooperativas.

Mesmo crescendo no negócio, os ex-perueiros afirmam que estão longe de serem barões do transporte, como os clãs portugueses que atuam há décadas no sistema de ônibus, caso da família de José Ruas Vaz. "Perto dos Ruas, sou só uma viela", diz Bispo.


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