Folha de S. Paulo


Agência de turismo no Alemão naufraga com a volta da violência

A história de Mariluce Maria de Souza, 33, traduz as transformações no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio.

Ela viveu lá sob o domínio do tráfico e viu a chegada das forças de segurança, em 2010, e das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), em 2012.

Diante da possibilidade de paz na favela, criou uma agência de turismo para receber os visitantes atraídos pelo teleférico. Teve de fechar em 2014. O espaço com dicas de turismo, no Facebook, foi ocupado por relatos sobre a violência diária.

Nos próximos dias, Mariluce vai à universidade de Stanford (EUA) para falar, em conferência sobre violência, sobre os riscos enfrentados diariamente pelos moradores do Alemão.

Mauro Pimentel/Folhapress
Mariluce Maria de Souza, que abriu uma agência de turismo após a pacificação do Complexo do Alemão e viu o negócio falir com a volta da violência
Mariluce Maria de Souza, que abriu uma agência de turismo após a pacificação do Complexo do Alemão

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Depoimento a...
FABIO BRISOLLA
DO RIO

Quando começou a construção do teleférico, meu marido me dizia: 'Isso vai mudar tudo, vai trazer os turistas para cá'. Na época, o Alemão ainda não havia sido ocupado pela polícia. Com a pacificação as pessoas de fora se sentiram seguras para ir até lá e conhecer de perto o novo teleférico.

Nesta época, criei com meu marido a agência Turismo no Alemão. Um ano depois, com outros dois sócios, montamos um escritório nas Palmeiras [uma das 12 favelas com complexo], que hoje está fechado.

Quando começamos, era o passeio pela favela e mais nada. Não tinha roteiro cultural, não havia quase restaurantes ou bares. Os moradores não acreditavam que alguém ia querer passear por ali.

Começamos a trazer estudantes de universidades, sem cobrar nada pelo tour. Queria chamar a atenção de outros moradores e contaminar as pessoas com aquela ideia. Mostrar que era possível sim trazer os turistas e que aquilo podia dar dinheiro.

Um morador então começou a vender bolo e café na porta de casa para os visitantes. Outro aparecia com sacolés. Até que surgiu um bar novo, depois outro, uma lanchonete. Todos ganhavam. Eu trazia clientes para dentro do Alemão e as novas iniciativas dos moradores valorizavam o passeio dos turistas.

Um dia marcante foi quando levamos um grupo de 89 turistas estrangeiros, todos funcionários de uma seguradora. Formatamos um passeio específico para eles. Incluímos no roteiro, por exemplo, a casa da Dona Maria, que ficou conhecida por ter recebido o príncipe Harry.

Depois, os turistas foram jogar bola na quadra de uma ONG com as crianças da comunidade. Tudo mundo que participou, até mesmo as crianças que jogaram bola, receberam por isso. Só com este passeio, nosso lucro foi de R$ 12 mil.

Em junho de 2014, quando começava a Copa do Mundo, levamos um último grupo. Depois disso, suspendemos o serviço porque a violência explodiu. Tinha tiroteio todo dia.

A gente acreditou muito. Investiu muitos sonhos nesta história. Não achava que ia ficar rica, mas sabia que o turismo poderia ser uma porta para mudar a realidade lá dentro do Alemão. Se você tem turista passando em um lugar, o poder público vai ficar mais atento para recolher o lixo, por exemplo. Não vai deixar o turista fotografar uma montanha de lixo.

Passei a pintar quadros com o cenário do Alemão para vender aos turistas que faziam o tour. Montei uma barraca numa estação do teleférico para vender as pinturas.

Só que o movimento caiu muito. Nos últimos meses, o turista tem ido ao teleférico já com medo, nem desce na estação.

Criei uma página no Facebook para falar das coisas boas do Alemão, que mudou de foco. Virou um canal para mostrar a atual realidade.

É um momento complicado em que todas as coisas erradas no Alemão começaram a aparecer. Mas acredito que alguém vai achar a solução para consertar esta bagunça e os turistas vão voltar de novo à favela. Sinceramente, não tenho ideia de onde vai vir a solução, mas acredito que ela vai aparecer.


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