Folha de S. Paulo


'Escolha foi respeitar rito ambiental ou fornecer água', diz secretário de SP

Em meio à pior crise de abastecimento enfrentada pela Grande SP, o secretário estadual Benedito Braga (Recursos Hídricos) diz que a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) teve de escolher: levar água para a população no período de seca ou respeitar o rito ambiental tradicional para dar andamento a obras emergenciais.

Foi escolhida a primeira opção, de acordo com ele.

"Se fossem respeitados os ritos, não teríamos condições de prover essa água à população em julho [de 2015]", afirma o secretário, que diz que deverão ser usados "atalhos" para cumprir as exigências.

Em entrevista à Folha, o secretário, que assumiu a pasta em janeiro em meio à crise de abastecimento, avaliou como muito reduzidas as chances de um rodízio de água neste ano.

Para Braga, que é professor de engenharia hidráulica da USP e presidente do Conselho Mundial da Água, as pessoas que torcem pelo rodízio querem ver uma "situação realmente ruim" em SP.

Entre as principais obras emergenciais previstas para este ano está a ligação entre dois mananciais, o Rio Grande e o Alto Tietê. Outras deverão reverter rios da Serra do Mar, alguns em área de Mata Atlântica, para abastecer os reservatórios da Grande SP.

Karime Xavier/Folhapress
O secretário estadual Recursos Hídricos Benedito Braga (Recursos Hídricos)
O secretário estadual de Recursos Hídricos, Benedito Braga, durante entrevista à Folha

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Folha - Um rodízio neste ano está completamente descartado em São Paulo?

Benedito Braga - Em função das condições que prevalecem nos nossos sistemas de armazenamento, as chances de termos um rodízio são bastante baixas –e nós estamos trabalhando da forma mais conservadora possível, não fazendo hipóteses de que vamos ter grandes chuvas daqui para frente.

É importante observar que, depois dessa crise, não temos uma condição de previsibilidade [de chuvas] muito boa, como tínhamos antes.

Então, não podemos garantir que não vamos ter rodízio. Temos tudo preparado para tomar as decisões dependendo da condição do clima que prevalecer neste ano. Tudo vai depender de como vem a estação seca [de abril a setembro].

Qual deve ser o custo da crise neste ano para a população?

O custo não será diferente do que está sendo agora. Durante este ano, nós teremos ainda que adotar medidas de redução de pressão que incomodam as pessoas, porque é uma situação fora do normal.

É muito importante termos em conta que a situação que vivemos é muito melhor do que uma situação de rodízio.

Haverá um custo muito menor do que aquele que teríamos se implantássemos o rodízio [interrupção completa do fornecimento de água].

O balanço financeiro da Sabesp relativo a 2014 mostrou que o lucro da empresa caiu pela metade. Essa queda será repassada ao consumidor?

O que houve foi uma queda no lucro [de R$ 1,9 bilhão para R$ 903 milhões]. A redução do lucro era esperada, em função da redução do consumo e da concessão de bônus.

Não tem como repassar para a população, isso é um resultado que tivemos em função da crise da água.

Mas essa queda poderá impactar as obras programadas para este ano?

Não. O custo dessas obras não é exagerado. Há previsão orçamentária e não há atraso nenhum nas obras sob o ponto de vista físico e financeiro.

Pela urgência das obras, a questão ambiental não está sendo atropelada?

Nós temos uma situação em que, se fossem seguidos os ritos tradicionais do setor ambiental, nós não teríamos condições de prover essa água à população em julho.

Então, a questão é uma escolha. O que vocês preferem: seguir o rito ambiental ou trazer água para a população?

O governo fez a escolha?

Fez a escolha de seguir o rito dentro da emergência. E, dentro da emergência, você tem atalhos para o setor ambiental. Tudo está sendo feito dentro da mais absoluta regra da lei e da ordem.

A única coisa é que isso teve que ser feito de uma forma mais rápida. E o rito, dentro dessa forma mais rápida, é diferente das obras tradicionais, em que você tem o relatório de impacto ambiental, audiência pública e assim por diante.

Mas a Cetesb faz todas as análises, (...) e o governo não está fazendo nada fora da lei.

Está sendo feita uma obra de emergência, mas dentro de todos os ritos da lei de licitações e da lei ambiental.

As chuvas recentes fizeram com que o governo estadual recuasse na transparência em relação à crise, como não informar o real risco de um rodízio? Não são os mesmos erros do ano passado?

Não, não há erros nem em 2014 nem em 2015 e não haverá erros em 2016. Trabalhamos com uma boa expectativa de passar este ano, mas nos preparando para o pior, que é um plano de contingência.

Estamos fazendo tudo dentro da mais absoluta técnica. Não existe falta de transparência, porque informamos diariamente a situação dos reservatórios da região metropolitana. Não há nenhuma falta de transparência.

Como o senhor classifica a atual situação?

Nós estamos caminhando para ocupar minimamente o volume morto, o que significa que ainda é uma situação muito difícil. Nós gostaríamos que o reservatório estivesse praticamente cheio.

Mas, com essa reserva que estamos acumulando e com as obras que estamos trazendo, temos a possibilidade de superar a crise, mas não é ainda uma situação confortável.

O sr. disse que não houve erros em 2014. Como eleitor, mesmo fora do cargo, o sr. se sentiu atendido pelas declarações do governo sobre a crise?

As decisões tomadas foram corretas. Em 2014, ainda havia o final do ano como uma época em que normalmente há as chuvas e os reservatórios enchem.

Então, tomar uma medida como o rodízio, como muita gente queria, eu sempre fui publicamente contra. Entraram com o incentivo econômico [bônus para quem economizar], depois com as válvulas redutoras de pressão. E foi tudo muito lógico.

Mas a sobretaxa veio só depois da eleição...

Não quero entrar nesse detalhe de sobretaxa [pagamento adicional para quem extrapolar o consumo médio]. O que estou dizendo é que o que foi feito em 2014 foi certo.

Esse negócio de dizer que o governo errou não está certo. Talvez, as pessoas que insistiram muito em rodízio queriam ver uma situação realmente ruim. Seria fácil fazer o rodízio, é só fechar a manivela. O duro é fazer o que a Sabesp fez: colocar válvulas e sofrer o impacto econômico de colocar o bônus.

Então o sr. acha que ter negado que haveria desabastecimento e que seriam usados os dois volumes mortos foram medidas acertadas?

O resultado foi muito bom. Não tivemos desabastecimento, tivemos 1% da população impactada com as medidas. Portanto não tenho crítica.

Mas há problemas de desabastecimento em alguns bairros na periferia de São Paulo...

Não se pode negar que haja uma crise hídrica. É como em uma guerra dizer: "Você vai me matar com uma uma [arma calibre] 45 ou com uma 22?". É querer colocar regra em meio a uma situação muito complicada. É querer que todo mundo tenha água quando tivemos um ano de 2014 que teve 50% menos água que a mínima de 1953.

A tarifa hoje é muito barata?

São Paulo tem uma das menores tarifas do Brasil. Tem 21 Estados que praticam tarifas acima da tarifa da Sabesp.

Acho que o custo da água, em função da dificuldade de encontrar novos mananciais e dos custos operacionais... Acho que a tarifa hoje no Estado é aquém do necessário.

A crise traz algum benefício?

Acho que sim. O pessoal no Sudeste não sabia que tinha que fazer a barba abrindo e fechando a torneira. O nordestino já sabia disso há muito tempo. A crise trouxe essa consciência.


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