Folha de S. Paulo


'Vila surreal' de São Paulo será reaberta ao público

Como preservar um patrimônio histórico da cidade sem torná-lo apenas memória ou deformá-lo em um projeto distante da população?

É com essa pergunta em pauta que começa, no próximo dia 10 de abril, o restauro e reabilitação da Vila Itororó.

O conjunto arquitetônico do início do século 20, no coração do bairro do Bexiga, em São Paulo, chegou a ser apelidado pelo escritor Mário de Andrade (1893-1945) de "vila surrealista".

O canteiro de obras será aberto ao público, ancorado num centro cultural temporário com atividades de educação patrimonial. O local é acessível pela rua Pedroso, 238. As visitas podem ser agendadas pelo e-mail info@vilaitororo.org.br.

"A Vila Itororó pode ser o marco de uma nova geração de equipamentos culturais que tenham usos diversos e que funcionem como laboratórios urbanos", afirma o ex-presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) Luiz Fernando de Almeida, diretor do Instituto Pedra, responsável pela execução do projeto.

Ícone da transição da São Paulo colonial para a moderna, a vila foi concebida pelo imigrante português Francisco de Castro como um conjunto de casas de aluguel em 1922.

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Imagem da Vila Itororo, construida no inicio do seculo 20, no bairro do Bexiga, em Sao Paulo. Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Imagem da Vila Itororo, construida no inicio do seculo 20, no bairro do Bexiga, em Sao Paulo

O palacete e as mais de 30 casas erguidas no terreno foram construídas com material de demolição. Boa parte dele veio do desmonte do teatro São José (onde hoje é o shopping Light, no Anhangabaú).

Colunatas do teatro foram incorporadas às construções da vila, que incluíam um clube com a primeira piscina particular da cidade, alimentada pela nascente que brota no terreno e dá nome à vila.

"Trata-se de uma arquitetura sem arquiteto. Um mostruário de sistemas construtivos da São Paulo do início do século", diz Almeida.

A falta de manutenção fez da vila um grande cortiço, que chegou a abrigar mais de 300 pessoas. Tombada como patrimônio histórico nos anos 1980, foi desapropriada nos anos 2000. Desde 2006, faz parte de projetos da Secretaria Municipal de Cultura que não se viabilizavam.

DESAFIOS

Agora, por meio da Lei Rouanet, a obra será iniciada. Orçado em cerca de R$ 50 milhões, o projeto teve autorizada a captação de R$ 17,5 milhões para a primeira etapa. Até o momento, R$ 4 milhões foram obtidos.

"Há muitos desafios neste projeto. A captação é um deles. Evitar que a região entre em um processo de gentrificação ['elitização' e alta dos preços da área] é outro", diz o secretário de Cultura, Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista.

Para Antônia Souza Cândido, 53, que diz ter vivido no cortiço por 32 anos, eliminar o uso residencial é "matar a história da vila". "O uso misto, para cultura e moradia, seria uma inovação. Se querem minha participação só para que eu vire um depoimento e uma foto em um livro de memórias, estou fora."

"Nosso processo é gerar debates e deixar os conflitos aflorarem para pensarmos juntos em como reconstruir esse tecido social", afirma o curador do centro cultural temporário, Benjamin Seroussi, que também é diretor da Casa do Povo.


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