Folha de S. Paulo


Delegacias paulistanas com mais roubos investigam só 3% dos casos

Nas dez delegacias que mais registraram roubos na cidade de São Paulo no ano passado, apenas 3% dos casos foram investigados.

Em 2014, foram 36,1 mil roubos nesses dez distritos, ante 1.209 apurações formais abertas pela Polícia Civil.

Um exemplo está no distrito de Campo Limpo, na periferia da zona sul.

Editoria de Arte/Folhapress

Dos 4.639 roubos registrados, o maior volume da capital, somente em 75 casos (1,6%) foram abertos inquéritos (investigação formal).

Esses dados do governo Geraldo Alckmin (PSDB) foram obtidos pelo instituto Sou da Paz por meio da Lei de Acesso à Informação.

O levantamento mostra que, durante a escalada recorde de roubos do ano passado, a polícia investigou ainda menos que em 2013.

'A PÉ'

Segundo o delegado Levi D'Oliveira, titular do distrito do Jabaquara, na zona sul, há dificuldade para transformar os boletins de ocorrência em inquéritos. Isso porque, diz, a vítima geralmente fornece poucas informações à polícia.

O ideal seria obter uma descrição detalhada do assaltante e, se possível, a placa do carro em que ele fugiu.

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"Se fugiu a pé, o que é que eu vou fazer? Eu preciso de dados, não tenho bola de cristal. Não estou tirando a culpa da polícia, que tem que fazer o trabalho dela. Mas, em alguns crimes, eu preciso de algo a mais. Sem informação nós não conseguimos", diz.

A delegacia do Jabaquara é a décima no ranking de mais roubos no ano passado –foram 2.673 registros e só 45 inquéritos, ou 1,7%.

"É baixíssimo [o índice]", avalia o delegado. Segundo ele, além da falta de informações que ajudem a levar à autoria dos roubos, a Polícia Civil sofre com falta de pessoal.

Para fins de comparação, a delegacia que proporcionalmente mais instaurou inquéritos para apurar roubos na capital em 2014 foi a do Bom Retiro, na região central. Das 814 ocorrências na área, 238 viraram inquérito –29%.

O Bom Retiro, porém, foi o nono distrito com menos roubos no ano passado.

QUESTÃO DE FOCO

Para Ivan Marques, diretor-executivo do instituto Sou da Paz, a falta de pessoal e de recursos "justifica, em parte" essa baixa investigação.

"A Polícia Civil acaba focando seus esforços em alterações legislativas, problemas que não são relacionados à investigação. Há um nítido desvio de foco", diz, referindo-se às campanhas encabeçadas pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo para tentar mudar a legislação penal brasileira.

"A questão do endurecimento de penas, da redução da maioridade penal, talvez não deva ser o foco principal da secretaria e da polícia neste momento. Será que a impunidade vai ser combatida com alteração na legislação ou com esclarecimento de crimes?", questiona Marques.

Segundo ele, a investigação bem feita tem dois resultados: tirar de circulação o criminoso e "passar uma mensagem de que o crime não vai ficar impune", desestimulando novos delitos e diminuindo a sensação de insegurança.

BOLETINS

De acordo com o estudo do instituto, ficou evidente que os boletins de ocorrência estão sendo preenchidos incorretamente -e, talvez, não por falta de informações por parte da vítima, afirma Marques.

No ano passado, reportagem da Folha revelou que, de 2004 a 2013, só 9,3% dos boletins de ocorrência viraram inquérito no Estado de São Paulo. Na capital, o cenário foi pior: só 5,9% dos casos tiveram investigação formal ao longo desses dez anos.

OUTRO LADO

A Secretaria da Segurança diz que é um equívoco considerar que deve haver um inquérito para cada crime no Estado. "Os inquéritos somente são abertos quando há os elementos necessários para tanto –dentre eles, a suspeita de autoria e o detalhamento das circunstâncias do crime".

A afirmação difere do entendimento de especialistas, como o jurista Roberto Delmanto. Segundo ele, a polícia tem obrigação de abrir inquérito ao saber de um roubo.

Muitos casos, diz a pasta, são investigados "em bloco" –um inquérito pode abranger vários boletins de ocorrência, como os sobre quadrilhas que cometem muitos crimes.

"É preciso deixar claro que todos os casos de roubos –e demais crimes– são investigados pela Polícia Civil. Não fosse isso, o Estado não teria registrado, apenas em fevereiro, um crescimento de 23% nas prisões com mandado judicial", afirma a secretaria.

"Em fevereiro, os roubos caíram em 6 dos 10 distritos citados pela reportagem".


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