Folha de S. Paulo


Tóquio 'aprende a lição' e hoje perde só 2% da água

Apenas 19 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão projetava usar a Olimpíada de 1964 para mostrar ao mundo que já havia se reerguido da destruição quase completa.

Para o evento, construiu, entre outras obras faraônicas, o primeiro trem-bala do mundo. Mas surgiu então um problema inesperado: as torneiras de Tóquio secaram.

"Esta cidade está experimentando a falta de água mais crítica em 40 anos enquanto entra no período mais quente do verão e acelera febrilmente os preparativos para os Jogos Olímpicos, marcados para daqui a dois meses e meio", descrevia o jornal "New York Times" em sua edição de 26 de julho de 1964.

O principal reservatório de Tóquio, o Ogouchi, ficou com apenas 0,5% de sua capacidade (o Cantareira, na Grande SP, opera hoje com 14,5%).

O fornecimento de água chegou a ser cortado durante 11 horas por dia em dezenas de milhares de casas, enquanto moradores faziam fila diante de caminhões-pipa, segundo fotos e relatos da época.

A situação só melhorou após a construção emergencial de um canal de cerca de 17 km para levar água ao Ogouchi. O sufoco passou, e a Olimpíada –a primeira transmitida via satélite– foi considerada um sucesso.

Para os técnicos do Departamento de Água de Tóquio, ficou a lição. A cinco anos de sediar novamente uma edição dos Jogos Olímpicos, o risco de outra crise hídrica é considerado remoto na cidade, hoje referência na administração de recursos hídricos para São Paulo e outras cidades do mundo.

DESPERDÍCIO

Entre as diversas melhorias, talvez a maior façanha da metrópole japonesa seja o índice de apenas 2% de perda de água por problemas na tubulação, um dos menores percentuais do mundo.

Na região metropolitana de São Paulo, o desperdício é de cerca de 19%, índice que Tóquio registrava na época da Olimpíada de 1964.

A diferença pode ser ainda mais alta caso se levem em conta os furtos na região metropolitana -problema inexistente no Japão. Por esse cálculo, a perda em São Paulo fica em torno de 30%.

Para especialistas, a redução do desperdício é uma das formas mais eficientes de ampliar a segurança do abastecimento de água.

Ao contrário do que se pode imaginar, o segredo não está na alta tecnologia, mas no departamento de recursos humanos, explica Norifumi Tashiro, diretor de coordenação do Departamento de Água do Governo Metropolitano de Tóquio.

"É a capacidade do funcionário", disse Tashiro, taxativo, em entrevista à Folha na sede do Departamento de Água, sobre o motivo de um desperdício tão baixo.

"Tem a questão da substituição do material do tubo, mas isso já está sendo realizado há tempos. Outro fator importante é a realização imediata do reparo após a detecção do vazamento."

Tóquio tem cerca de 400 fiscais com treinamento específico, incluindo um local com simulações de vazamento. A técnica mais usada, de inspeção por geofonamento –que amplifica o som do subsolo–, é praticamente idêntica à utilizada em São Paulo.

Quando um vazamento na tubulação é detectado, a reparação é feita no mesmo dia, segundo números oficiais.

A Sabesp, empresa de água do Estado de SP, trabalha com um prazo de até 36 horas.

DISTRIBUIÇÃO

Graças a uma rígida lei ambiental, nenhuma fonte de água doce de Tóquio é imprópria ao consumo humano.

A capital japonesa também ampliou sua capacidade de produção de água, com novos reservatórios, canais e estações de tratamento.

Hoje, está em construção um anel de dutos para melhor distribuir a água e evitar que uma região esteja mais vulnerável, como em 1964.

"Estamos nos preparando para que não haja disparidades", afirmou Tashiro.

Tóquio, entretanto, não está imune a problemas. Há três anos, por exemplo, uma seca voltou a diminuir o nível dos reservatórios. Uma campanha publicitária com dicas de economia de água, porém, bastou para evitar problemas de desabastecimento.

TROCA TÉCNICA

De 2007 a 2010, o Japão prestou cooperação técnica à Sabesp para diminuição de desperdícios no sistema. Em 2012, emprestou R$ 860 milhões para o programa de redução de perdas da empresa paulistana.

Eric Carozzi, superintendente da Sabesp, avalia, no entanto, que diferenças entre São Paulo e Tóquio, como a falta da coleta de todo o esgoto daqui, impedem que repliquemos os resultados japoneses.

O jornalista FABIANO MAISONNAVE viajou a convite da Jica (Agência de Cooperação Internacional do Japão)


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