Folha de S. Paulo


Com discurso contra o machismo, Dilma sanciona Lei do Feminicídio

Em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff sancionou nesta segunda-feira (9) a lei que incluiu no Código Penal, o feminicídio. A lei determina que, se uma mulher for morta por razões de gênero, como no caso de violência doméstica, passa a ser agravante do crime de homicídio.

Com um discurso contra o machismo e contra o preconceito de gênero, Dilma defendeu as políticas do governo de enfrentamento à violência contra a mulher, como a Casa da Mulher Brasileira e a Lei Maria da Penha.

A lei sancionada é um dos resultados da CPI mista da Violência contra a Mulher, que funcionou no Congresso entre 2012 e 2013. O texto foi aprovado pela Câmara na semana passada. A pena para o homicídio simples vai de 6 a 20 anos de reclusão. Já o homicídio qualificado, tipo penal do feminicídio, tem pena de 12 a 30 anos.

"Em briga de marido e mulher, nós achamos que se mete a colher, sim, principalmente se resultar em assassinato. Meter a colher nesse caso não é invadir a privacidade, é garantir padrões morais, éticos e democráticos. E o Estado brasileiro deve meter sim, a colher, a sociedade brasileira idem, deve meter a colher", defendeu Dilma que também conclamou as mulheres a corrigir o ditado "em briga de marido e mulher não se mete a colher".

A presidente afirmou ainda que o Estado brasileiro assumiu uma posição clara no combate à violência contra a mulher ao implantar políticas voltadas a elas. "Estamos afirmando aqui a importância de se combater a violência tanto pela intolerância como pelo preconceito", disse.

Ao chegar para a cerimônia, Dilma foi saudada pela plateia composta majoritariamente por mulheres de movimentos sociais, do MST e da Via Campesina, integrantes do governo e do Judiciário, atletas e artistas, com gritos de "Olê, olê, olá, Dilma, Dilma", e "Dilma, eu vim aqui só para te ver". Ao final, a presidente foi assediada e tirou muitas fotos com as mulheres presentes.

LEI

Com a sanção, ficará criada mais uma circunstância agravante ao homicídio. Hoje elas são cinco: motivo torpe, motivo fútil, meio cruel, recurso que impossibilite a defesa da vítima e para acobertar outro crime.

Pela proposta, as penas ainda serão ampliadas de um terço até a metade se o crime for praticado durante a gestação da vítima ou nos três meses após o parto, contra menores de 14 anos, portadoras de deficiências ou na presença de pais/filhos da vítima.

O texto diz que é considerado razão de gênero quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A proposta também inclui o feminicídio no rol de crimes hediondos. Quem é condenado por crime hediondo tem que cumprir a pena inicialmente em regime fechado e também demora mais tempo para obter a progressão a outro regime.

Segundo Dilma, morrem, em média, 15 mulheres por dia no país vítimas de violência por questão de gênero. "os números nos chocam e mostram que as brasileiras são submetidas a uma violência inaceitável", disse.

"Combatemos a violência contra a mulher porque acreditamos que toda mulher tem direito a integridade. Quando tratamos a mulher como protagonista, o que queremos é dar poder a ela", afirmou. Dilma foi aplaudida diversas vezes durante o seu discurso.

EXAGERO

A presidente rebateu críticas recentes feitas a lei aprovada pelo Congresso que a classificaram como um "exagero". Para Dilma, tal posicionamento revela uma "visão de mundo que não é real".

"Existem brasileiros que enxergam como exagero essa lei, consideram excessivas leis que punem racistas porque acham que não há racismo no Brasil. Acham que a homofobia não é um problema relevante. Discordam de lei que pune violência doméstica porque acham que é assunto de marido e mulher", disse.

"Essa visão do mundo não é real e nós não a aceitamos. Infelizmente ainda existe racismo no Brasil. Infelizmente há violência contra os LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros] no Brasil, fruto de preconceito e intolerância. [...] O machismo é um mal a ser combatido. Ele humilha, maltrata, agride e, no limite, mata", completou.

A presidente criticou também a relativização da violência contra a mulher em que as agressões são consideradas normais.
"Na cultura machista que torna normal a agressão a mulher pelo fato de ela ser mulher. O Brasil é terra generosa, que não deve aceitar jamais ser a terra da intolerância e do preconceito", disse.

Dilma encerrou seu discurso com um apelo para que todos denunciem casos de violência contra a mulher. "Eu faço um apelo, não aceitem a violência dentro ou fora de casa como algo inevitável. Não permitam que a força física ou o machismo destruam sua dignidade e até mesmo sua vida. Denuncie. Use os recursos a seu alcance e saiba que você vai ter ao seu lado o Estado Brasileiro. Quem souber de casos de violência deve denunciar. Parentes, amigos, vizinhos não devem se omitir", afirmou.

Antes da sanção, foi exibido um vídeo institucional sobre a Casa da Mulher Brasileira, uma das propostas de campanha de Dilma nas duas eleições que disputou. Até agora, há apenas uma casa inaugurada no país, em Campo Grande (MS). Ela foi inaugurada no início de fevereiro. A próxima deverá ser inaugurada em Brasília (DF), em abril. Há ainda a previsão de inauguração de mais uma unidade em Curitiba (PR).

HOMOFOBIA

Durante o discurso na cerimônia de sanção da Lei do Feminicídio, a presidente Dilma Rousseff citou, em vários momentos, a violência contra a população LGBT. "(...) Existem pessoas que acham que a homofobia não é um problema relevante (...). Infelizmente há violência contra os LGBT no Brasil, fruto de preconceito e intolerância", disse a presidente.

Para o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), a lei abre caminho para discussões mais amplas sobre o projeto de lei que criminaliza a homofobia. "Eu acho que a fala dela é significativa e acho que há possibilidade dessa lei ser aprovada. Não acho, porém, que o problema vai se resolver com a criminalização, com resposta dura, penal. O problema da homofobia tem a ver com preconceitos que só são desconstruídos com campanhas educacionais".

Questionado se haverá espaço para este tipo de discussão no legislativo diante de uma situação política tão delicada no Brasil, o deputado está otimista quanto ao avanço do projeto. "Apesar da imprensa estar monotemática, somos 120 deputados a simpatizantes à causa e não vamos deixar a peteca cair. O tema hoje, tratado marginalmente, está emergindo", garante.

Colaborou NICOLAS ANDRADE


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