Folha de S. Paulo


Irmãs de SP esperam 7 meses por conclusão de atestado de óbito da mãe

A morte da aposentada Manuela Conte, 85, já dura sete meses: entre idas e vindas de um processo "interminável", a família tenta provar que dona Manuela morreu de infarto em 7 de agosto de 2014.

Desde então, o atestado de óbito não foi finalizado pela polícia de São Paulo.

Sem o documento, surgiram pendências burocráticas: as duas filhas, Carla, 42, e Adriana Conte, 46, não conseguem retirar o seguro de vida de R$ 15 mil, pago pela mãe nos últimos 30 anos.

"Ela está morta há sete meses, e nós ainda somos obrigadas a pagar a mensalidade do seguro, senão perdemos o valor. A seguradora exige o atestado", conta Adriana, que é funcionária pública.

Jorge Araujo/Folhapress
 Carla Couto, 42, tem enfrentado, junto com sua irmã, uma saga para conseguir atestado de óbito da mãe
Carla Couto, 42, tem enfrentado, junto com sua irmã, uma saga para conseguir atestado de óbito da mãe

Naquela quinta-feira de agosto, a cuidadora da aposentada a encontrou morta, no quarto. Chamou o Samu e as duas filhas de Manuela.

Para todos, era uma clara morte natural. Manuela tinha alzheimer havia oito anos, era cardíaca e se recuperava de um infarto sofrido três meses antes. Os médicos avisaram que o coração dela não resistiria por muito tempo.

"Um homem do Samu perguntou se tínhamos médico de família para atestar a causa", afirma Carla, que é jornalista. "Respondi que não. Ele fez uma cara estranha, já previu a via-crúcis."

INQUÉRITO E EXAME

Chamou-se a polícia, e o delegado abriu um inquérito para investigar o caso. O Boletim de Ocorrência, feito no mesmo dia, já apontava: "não havia sinal de violência".

Quando a causa da morte é suspeita, desconhecida ou violenta, o corpo deve ser sempre levado ao IML para que um médico legista descubra os motivos do óbito.

Em seguida, Carla precisou reconhecer o corpo da mãe, uma praxe em casos de morte suspeita. "Ela morreu dormindo, em paz. É difícil ter que ver sua mãe, toda cortada numa maca", diz.

O médico legista Cesar Arena confirmou o infarto, mas pediu um exame toxicológico. Como o caso era considerado "suspeito", a família precisou de uma autorização da Justiça para cremar o corpo, um desejo de dona Manuela.

O resultado do toxicológico demorou três meses para sair –já que apenas um laboratório público realiza esse exame para a polícia em todo o Estado de São Paulo.

Quando o exame finalmente chegou, outra barreira: o médico Cesar Arena entrou em licença por problemas de saúde e não pôde assinar o laudo. Ele não voltou mais ao instituto desde então.

Um regra da polícia determinava que somente o responsável pela necropsia poderia finalizar o atestado de óbito. Assim, o caso de Manuela ficou em suspenso.

CLÍNICA PARTICULAR

Licenciado do órgão público, o médico continua dando consultas em uma clínica particular na região central de São Paulo. A Folha tentou conversar com ele, mas não houve retorno.

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que irá investigar a conduta do médico.

Informou ainda que mudará as regras para a liberação desses laudos: a partir dessa quinta-feira (5), em caso de afastamento de servidores, outros profissionais poderão assumir o processo.

Enquanto isso, as irmãs Carla e Adriana lamentam que o sofrimento pela morte da mãe esteja durando tanto tempo. "Nascer leva nove meses, morrer parece que está demorando mais. Foi uma comédia de erros", diz Carla.


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