Folha de S. Paulo


Sabesp usou mais água do Cantareira antes das eleições

A Sabesp retirou muito mais água do sistema Cantareira antes das eleições do que no período posterior, embora os reservatórios tenham recebido uma quantidade maior de água. É o que mostra a análise do boletim diário publicado pela ANA (Agência Nacional de Águas), com dados fornecidos pela própria companhia paulista.

Nos dois meses antes do primeiro turno (entre 5 de agosto e 4 de outubro), o sistema Cantareira recebeu 8,39 m³ por segundo de água (vazão de entrada). Já a quantidade de água que saiu dos reservatórios foi de 20,93 m³ por segundo.

Nos dois meses após o segundo turno (entre 27 de outubro e 26 de dezembro), a situação se inverteu: mais água entrou no sistema (11,43 m³/s) e menos água saiu (18,85 m³/s).

Ou seja, em média, a população abastecida pelo Cantareira (6,2 milhões na capital e cidades da região metropolitana) teve maior disponibilidade de água daquele sistema antes das eleições.

Já depois das eleições, a Sabesp "fechou a torneira", apesar de os reservatórios terem recebido mais água.

Em números, a retirada de água do Cantareira depois das eleições foi 9,91% menor do que antes do primeiro turno. Já a entrada de água aumentou 36,18%.

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) ganhou as eleições no primeiro turno (5 de outubro). Já seu colega de partido, o tucano Aécio Neves, foi para o segundo turno com a petista Dilma Rousseff.

Nos debates entre os presidenciáveis, a principal crítica à administração tucana em São Paulo foi a suposta má gestão dos recursos hídricos.

DIA DO VOTO

No dia do primeiro e do segundo turno das eleições, também houve um aumento de retirada de água do sistema Cantareira em relação à média do mês (19,9 m³/s).

Tanto no dia 5 quanto no dia 26, a Sabesp retirou 22 m³/s do Cantareira. Tanta água assim só havia sido usada no Natal (22 m³/s) e no Ano-Novo, data da posse de Alckmin (22,6 m³/s). A análise do boletim diário de captação e vazão do Cantareira mostra também que o dia seguinte à votação do segundo turno (27 de outubro, dia útil) foi aquele com o menor volume de água retirado do Cantareira em 2014 até então: 17,1 m³/s, 22,3% menor do que no dia anterior, quando os paulistas foram às urnas.

ESPECIALISTA CRITICA MEDIDA

O governo estadual gerencia a crise hídrica com critérios políticos, e não técnicos, segundo o professor aposentado de Hidráulica e Saneamento da USP Julio Cerqueira César Neto, ex-diretor do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica).

Para ele, a eleição pesou na decisão. "A estratégia dele [governador Geraldo Alckmin] foi dispor durante todo esse período de distribuir água de acordo com necessidades eleitorais, mesmo esgotando seus mananciais e volumes técnicos", diz.

Professor de Hidrologia e Recursos Hídricos da Unicamp, Antonio Carlos Zuffo preferiu não comentar a relação entre eleições e os números, mas fez alertas. "O modelo que funciona é participativo e descentralizado. O que está sendo adotado agora é a centralização e a falta de transparência. Essa é a receita do fracasso."

OUTRO LADO

A Sabesp disse em nota que o mês de outubro de 2014 foi "ruim em termos pluviométricos". "Era esperada uma maior quantidade de chuvas. Em decorrência da estiagem, as vazões afluentes (que chegam) ao reservatório ficaram muito abaixo das mínimas históricas até então registradas."

"A vazão afluente do mês foi de pouco mais de 5 m³ /s. Por consequência, houve uma diminuição progressiva do volume da represa a fim de atender a demanda da metrópole", afirmou.

Segundo a Sabesp, para aumentar a disponibilidade de água, foi necessário solicitar à ANA (Agência Nacional de Águas) autorização de uso da segunda cota da reserva técnica do Cantareira, a partir de novembro.

A companhia diz que, como condição para isso, propôs em 10 de outubro uma projeção de retirada de 19 m³ /s no mesmo mês e 18,5 m³/s em novembro. "Ou seja, volumes menores do que eram retirados no início de outubro. A redução de retirada só foi possível com o avanço da interligação e o aumento de produção nos outros sistemas", disse.

Segundo a Sabesp, o Guarapiranga, por exemplo, em novembro, passou a produzi 1 m³ a mais.


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