Após o caso real revelado pela Folha de uma jovem de 19 anos que saiu presa do hospital depois de ser denunciada pelo médico que a socorreu de hemorragia pós-aborto, a Faculdade de Direito da USP realizou um júri simulado nesta sexta-feira (27) com uma aluna representando uma ré em situação similar.
O aborto é crime no Brasil, exceto em casos como risco à mãe. No caso fictício do júri, no entanto, a ré foi absolvida.
Na representação, a ré realizou aborto em casa, com agulha de crochê, e foi encontrada pelo irmão, que a levou ao hospital. Como no caso real, a jovem foi denunciada pelo médico que a atendeu.
A defesa ficou a cargo da advogada criminalista Luiza Nagib Eluf. O promotor aposentado Roberto Tardelli fez a acusação. A sessão foi presidida pelo juiz Roberto Luiz Corcioli Filho. Jurados, testemunhas e ré foram representados por alunos.
DEPOIMENTOS
O médico fictício que fez a denúncia diz que decidiu chamar a polícia por temer ser responsabilizado pelo crime. O mesmo argumento é apresentado quando questionado sobre a eventual violação do sigilo profissional.
A ré alegou que não tinha condições financeiras para ter um filho e que, por isso, decidiu interromper a gravidez. Confrontada pelo promotor, ela afirmou não se arrepender do que fez.
A acusação argumenta que a decisão da ré foi individualista. "Sempre existe uma outra possibilidade. E há uma possibilidade para o aborto", diz Tardelli.
"Quando a sociedade opta pela vida, precisamos repelir a morte. A medicina é a preservação da vida e ela é nosso oxigênio. Quando estamos diante da suspensão da vida, precisamos refletir", afirma o promotor.
A defesa levantou dúvidas sobre o fato. "O senhor encontrou vestígio de embrião, óvulo?", pergunta ao médico a advogada Luiza Eluf. "Não", responde o médico.
"A agulha de crochê é pequena e por isso um instrumento inapto. Não há certeza do ato", diz a advogada, que afirma não ser a favor do aborto, mas contra a sua proibição.
A proibição, segundo ela, é uma forma de penalizar só a mulher. "A lei prevê o aborto em casos de sexo não consentido, mas quando a mulher quer, ela deve pagar. E por que isso acontece?", questiona.
Ao final dos depoimentos, o juiz pergunta se os jurados entendem que houve o fato, o aborto. Dos alunos que interpretam os jurados, seis consideram que não houve aborto e um responde que sim. O juiz explica que, por essa razão, a ré é absolvida.
No caso real, a jovem foi autuada em flagrante e liberada após pagar R$ 1.000 de fiança. Se condenada, poderá ficar até três anos na prisão.