Folha de S. Paulo


Processo sobre mortes na boate Kiss não tem prazo para ser julgado

Dois anos depois da tragédia da boate Kiss, em Santa Maria (RS), o processo sobre as 242 mortes provocadas pelo incêndio anda em ritmo lento na Justiça gaúcha, sem nenhuma perspectiva de ser julgado em breve.

Os quatro acusados pelo crime seguem em liberdade depois de terem ficado quatro meses detidos em 2013. São réus na ação os sócios da casa noturna Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus e o produtor do grupo, Luciano Bonilha Leão.

Os dois últimos são acusados de manusear o artefato pirotécnico que iniciou o incêndio durante a apresentação da banda na boate.

Cerca de 180 pessoas já foram ouvidas no processo. Após o término dessas audiências, a defesa e a acusação ainda apresentarão argumentos antes de o juiz decidir se o caso irá a júri popular e se manterá a acusação, encaminhada pela Promotoria, de homicídios com dolo eventual (quando o acusado assume risco de matar).

O juiz responsável, Ulisses Louzada, pode determinar ainda uma reconstituição do crime antes do julgamento. O prédio da casa noturna passou em dezembro por uma operação de limpeza que retirou substância tóxicas e escombros. A mesma Vara Criminal possui outras 3.000 ações criminais em tramitação. Outros processos paralelos relativos à tragédia também estão pendentes na Justiça do Rio Grande do Sul.

A decisão mais efetiva até hoje ocorreu em um procedimento administrativo da Brigada Militar (a PM gaúcha). A corporação decidiu expulsar um sargento do Corpo de Bombeiros porque ele foi sócio de uma empresa que prestou um serviço para a Kiss, embora formalmente seu cargo exigisse dedicação exclusiva ao Estado.

No mês passado, o Ministério Público denunciou (acusou formalmente) 34 pessoas suspeitas de crime de falsidade ideológica na regularização da boate junto ao poder público antes do incêndio.

O andamento dos pedidos de indenização para as famílias também é moroso. Em 2013, a Justiça concedeu uma liminar que determinava o pagamento de pensões aos familiares e às vítimas, mas a ordem acabou cassada em segunda instância.

"Com os dois anos, ainda está inerte e, por enquanto, ninguém recebeu nada. O sentimento é de impunidade. Gradativamente, isso vai dilacerando as pessoas", diz Adherbal Ferreira, líder da associação de vítimas e familiares dos mortos no incêndio. Ele perdeu uma filha na tragédia.

OUTRO LADO

Os acusados de homicídio evitam se manifestar a respeito da tragédia. O advogado Gilberto Weber, do produtor da banda, argumenta que um músico que morreu no incêndio coordenava as ações da Gurizada Fandangueira. Ele diz que Luciano Bonilha Leão era apenas um assistente que obedecia ordens.

Segundo a defesa de Elissandro Spohr, o réu tem responsabilidade sobre o caso, mas órgãos públicos também foram negligentes ao permitir a liberação da boate e precisam ser incluídos entre os responsabilizados.

Para Mário Cipriani, que defende Mauro Hoffmann, o incêndio foi uma "fatalidade" e a boate "não tinha os problemas que a acusação aponta".

Ele argumenta que o local foi liberado pelos órgãos públicos e operava normalmente. O advogado também afirma que Hoffmann era um investidor da casa noturna e não tinha participação ativa na administração do local.


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