Folha de S. Paulo


Família e amigos pedem justiça em enterro de surfista em SC

Cristiano Estrela/Agência RBS
Sepultamento foi acompanhado pela família, por centenas de amigos e por colegas da elite do surfe mundial
Sepultamento foi acompanhado pela família, por centenas de amigos e colegas da elite do surfe mundial

O corpo do surfista Ricardo dos Santos, 24, morto a tiros por um policial militar, foi enterrado no início da tarde desta quarta-feira (21) em Paulo Lopes (a 52 km de Florianópolis) sob forte clima de comoção e indignação.

O sepultamento foi acompanhado pela família, por centenas de amigos e por colegas da elite do surfe mundial, como Alejo Muniz e Adriano de Souza, o Mineirinho.

A cerimônia terminou com uma salva de palmas de mais de cinco minutos e com um coro que pedia justiça. A família do surfista doou as córneas para Secretaria Estadual da Saúde, que informou que o material já foi recolhido e está à disposição de receptores. Segundo a pasta, outros órgãos não puderam ser doados porque o surfista sofreu hemorragia interna.

"O surfe brasileiro está de luto. Ele era um cara cheio de vida. Enfrentou ondas gigantes pelo mundo afora e foi morrer de uma forma tão brutal", disse a surfista catarinense Jacqueline Silva, que participou do funeral.

Nas redes sociais, os principais surfistas brasileiros lamentaram a morte do catarinense. O campeão mundial Gabriel Medina postou uma tela preta no Instagram e escreveu: "Ricardinho, você não merecia isso". "Por que isso acontece com gente de bem?", acrescentou.

Nesta terça-feira (20), horas após o atleta morrer no Hospital Regional de São José (Grande Florianópolis) devido a uma hemorragia, a família cogitou cremar o corpo de Ricardinho e jogar as cinzas na praia da Guarda do Embaú, em Palhoça (na mesma região), onde o atleta vivia. A ideia não foi levada adiante porque, devido ao assassinato, o procedimento legal para a cremação seria demorado, disse Mauro da Silva, tio do surfista.

Steve Robertson - 27.ago.2012/Efe
Surfista catarinense Ricardo dos Santos durante competição no Taiti; jovem foi baleado por PM após discussão e passa por cirurgia
Ricardo dos Santos durante competição no Taiti, em agosto de 2012

O velório de Ricardinho foi realizado no salão paroquial da Guarda do Embaú. O galpão foi decorado com pranchas de surfe e com fotos do atleta competindo.

Em luto, o comércio local fechou as portas e pôs panos pretos nas fachadas. "Não tem clima [para abrir]. Está todo mundo triste aqui", disse Luciano Pires da Silva, 37, dono de duas pousadas e amigo do surfista.

A única pracinha da região virou uma espécie de memorial, com flores e placas em homenagem ao surfista e pedidos de justiça. Na praia, onde o atleta começou a surfar aos sete anos de idade, também foram colocadas placas lamentando sua morte.

"Está todo mundo chocado com o que aconteceu. O Ricardinho era muito querido aqui", disse Barbara Moran, 22, moradora da comunidade.

A Guarda do Embaú é uma vila de pescadores de Palhoça. Fica praticamente vazia no inverno, e no verão é procurada por milhares de turistas. O prefeito da cidade, Camilo Martins, decretou luto oficial de três dias.

MAU EXEMPLO

Por causa da repercussão do caso, o comandante de Polícia Militar em Santa Catarina fez um pronunciamento no qual classificou de "mau exemplo" a atitude do soldado Luis Paulo Mota Brentano, 25, autor dos disparos.
"Isso é uma coisa que não poderia acontecer", declarou o coronel Paulo Henrique Hemm.

Brentano está detido no quartel da corporação em Joinville (a 170 km de Florianópolis), onde trabalha. Ele passava férias na praia.

O delegado Marcelo Arruda, responsável pelo caso, disse que o militar será indiciado sob suspeita de homicídio doloso qualificado. O comandante da PM anunciou a abertura de um inquérito interno para avaliar a conduta do soldado e adiantou que ele poderá ser expulso da corporação, onde está há oito anos.

De acordo com Arruda, Ricardinho foi baleado por volta de 8h de segunda (19) após discutir com o soldado em frente à sua casa. Segundo o delegado, a família afirma que o militar estava usando drogas e havia parado o veículo sobre canos de água usados em uma obra na residência. O surfista teria reclamado e sido baleado em seguida.

Na versão do policial, apresentada em depoimento na segunda-feira, o surfista o abordou com agressividade e o ameaçou com um facão, levando-o a atirar para se defender.

O advogado do militar, Gilson Shelbauer, disse que seu cliente se sentiu acuado pelo surfista e atirou. "Ele atirou para cima, não para acertar."


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