Folha de S. Paulo


Água em SP está 'no limite' há mais de uma década, diz engenheiro

A maior região metropolitana do país tem vivido, há mais de uma década, no limite da oferta de água, mas o Estado demorou a implantar medidas para diminuir o desperdício e, agora, pode ter de recorrer a ações ainda mais severas para evitar o desabastecimento da população.

Essa é a visão de Carlos Tucci, engenheiro premiado pela Unesco. Para ele, a sobretaxa que o governo implantou na semana passada em 43 municípios ajudaria a recuperar os reservatórios se tivesse sido adotada antes.

Unesco/Divulgação
Carlos Tucci, professor aposentado do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS
Carlos Tucci, professor aposentado do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS

"Com melhor planejamento, teríamos que tomar essas mesmas medidas restritivas, mas com um risco menor", diz o professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A tarifa extra, de até 100% na conta de água (excluindo o valor do esgoto), será aplicada a usuários cujo consumo mensal ultrapassar a média do período de fevereiro de 2013 a janeiro de 2014.

Nesta segunda (12), o sistema Cantareira, que abastece 6 milhões de pessoas, operava com 6,5% da sua capacidade, o menor índice no ano.

Leia a entrevista a seguir.

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Folha - Qual o benefício da sobretaxa?

Carlos Tucci - É o melhor mecanismo a curto prazo. Nesta situação de crise e emergência, você tem que controlar a demanda. E a sobretaxa acaba servindo como um "racionamento econômico", para que a população tome medidas de uso racional.

A parte mais sensível do ser humano é o bolso, então o cidadão vai pensar duas vezes antes de gastar.

Se tivesse sido tomada antes, a sobretaxa poderia melhorar os índices dos reservatórios?

Quanto mais cedo você tomar essa medida, menos risco você toma. Teríamos mais volume se a decisão tivesse sido tomada antes, é natural. O voluntarismo [da população] é muito relativo. Você corre o risco de que parte da população não participe dessa campanha de redução.

A atual estiagem poderia ter sido prevista?

Do jeito que se configurou, acredito que não. Os modelos meteorológicos não teriam dado conta de tanto rigor nesse período seco. E tudo fica mais crítico quando você tem um ano de redução de 70% da vazão, como no sistema Cantareira.

No entanto, qualquer planejamento de longo prazo deve levar em conta o que deve ser feito em casos extremos.

Ao menos desde 2001, a Grande São Paulo está no limite da relação oferta e demanda [de água]. Não é possível que a maior região metropolitana do país esteja sujeita a esse tipo de risco.

Obviamente, o risco [de desabastecimento] sempre tem. Mas é possível reduzi-lo.

Como reduzir esse risco?

A médio prazo, buscando fontes alternativas de água, algo que o governo do Estado tem tentado agora. Além disso, atacar as perdas. Não é admissível que se percam 30% das águas no sistema.

Pode-se também trabalhar a demanda. Em 2004, por exemplo, Nova York percebeu que os vasos sanitários antigos gastavam muita água. Então, fizeram um programa de incentivo de troca de vasos. Em larga escala, o resultado foi enorme.

Em situações mais emergenciais, a Inglaterra já distribuiu sacolas plásticas que, dentro do reservatório da descarga, reduz o gasto de água.

Faltou esse planejamento?

É difícil julgar se houve erro. Talvez a Sabesp seja uma ótima empresa técnica e de execução de obras. Mas faltou uma visão de planejamento de conjunto.

Desde 2001, não aumentou muito a oferta de água na Grande São Paulo. Com melhor planejamento, possivelmente teríamos que tomar essas mesmas medidas restritivas, mas com um risco menor [de desabastecimento].

O sr. acha que o racionamento de água seria viável?

Não. Abrir e fechar a rede dessa forma é uma operação muito complexa. Qualquer erro pode causar danos à própria rede de tubulações.

Como o sr. espera que estejamos ao final de 2015?

O mais provável é que seja um ano médio em chuvas. Isso não deve repor os níveis dos reservatórios, mas pode garantir o abastecimento com uso racional da água.

Pode levar vários anos para recuperar os reservatórios. Isso era mais fácil quando estávamos com 20% ou 30%. Agora, é muito mais difícil. Certamente, não será neste ano ou em 2016. Até lá, temos que controlar a demanda.

E se não chover?

Essa situação tem que ser analisada constantemente. Em um caso ainda mais extremo, é possível que você tenha que taxar aquele que não conseguir reduzir [e não só quem aumentou o gasto, como ocorre atualmente]. Isso aconteceu em 2001 com a energia, quando o consumidor era obrigado a reduzir o consumo energético em 20%.

Hoje, admite-se que se gaste o mesmo que antes. É possível que tenhamos que obrigar a redução do consumo.


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