Folha de S. Paulo


Inspirado em Santiago de Compostela, percurso em SP e MG atrai 3.000

Os pés se encheram de bolhas, os ombros ardiam e os joelhos e tornozelos doíam após 11 dias de caminhada por 313 quilômetros. Ainda assim, Agatha e Pedro Liduario fizeram uma nova promessa de que voltariam a fazer o Caminho da Fé.

Inspirado no caminho de Santiago de Compostela, na Espanha, o Caminho da Fé foi oficializado há 11 anos. Com 948 quilômetros de extensão -contando seus vários ramais-, passa por 36 cidades de São Paulo e Minas Gerais até chegar a Aparecida.

Agatha e Pedro são dois dos 3.000 peregrinos que fazem a rota por ano, total potencializado por ciclistas.

A duração da rota depende do ritmo do peregrino -de 15 a 20 dias a pé, ou de sete a dez, de bicicleta.

"Vamos a Aparecida há 13 anos, mas sempre de carro. Neste ano, o Pedro fez uma promessa a Nossa Senhora e disse que faria a pé. Decidi segui-lo", disse Agatha.

O casal saiu de Águas da Prata, cidade onde "nasceu" o caminho. Percorrendo, em média, 28 quilômetros por dia, eles levam apenas uma mochila com uma troca de roupa e uma garrafa de água.

Para auxiliar na rota, compraram um cajado de bambu por R$ 7. Os 11 dias de caminhada serviram como "retiro espiritual". "Você cansa e extrapola o limite do corpo, mas descansa a cabeça. No caminho, aproveita a paisagem e se distancia dos problemas do dia a dia", disse Pedro.

Assim como o casal, que já prometeu refazer o caminho, outras pessoas dizem ter "viciado" nas longas caminhadas espirituais. Dono de um bar em Inconfidentes (MG), Mauro Cavenaghi, 65, fez o trajeto 23 vezes, 13 antes de o caminho ser oficializado.

Editoria de Arte/Folhapress

ROMARIAS

"Aqui em Minas, as romarias [peregrinações religiosas] para Aparecida sempre foram tradicionais e desde jovem eu fazia o caminho. Se torna um vício caminhar, é uma forma de autoconhecimento", disse Cavenaghi.

O caminho é percorrido em sua maior parte pela serra da Mantiqueira, por estradas de terra que cortam a área rural dos municípios. São os moradores de sítios e fazendas dessas estradas que acolhem e incentivam os peregrinos.

Dono de um sítio na zona rural de Borda da Mata, José Roberto Ferreira, 52, disse sempre atender os peregrinos que pedem ajuda. "Pedem um copo de água, uma fruta ou para usar o banheiro. Sempre ajudamos, só peço em troca que rezem pelo meu filho [que é deficiente]", afirmou.

Foi da ajuda informal dos moradores que surgiram muitas das pousadas que hoje hospedam os peregrinos.

Pelo caminho, o que não faltam são capelas e santuários para eles rezarem, algumas com importância histórica e arquitetônica, como a capela de São Benedito, em Cravinhos, e as igrejas matrizes das cidades mineiras de Ouro Fino e Borda da Mata.

CICLISTAS

O Caminho da Fé atrai cada vez mais grupos de ciclistas. Eles são metade dos 3.000 peregrinos que anualmente completam o trajeto.

O mecânico André Luis Bagio, 48, disse que só percorreu os 409 quilômetros devido ao apoio das pessoas que conheceu. "As crianças nos veem e gritam 'vai com Deus, peregrino' ou pedem para rezar por eles. É um incentivo, me sentia responsável por chegar ao final por elas."

Os ciclistas agora recebem o certificado de peregrinos, dado pela Associação Amigos do Caminho da Fé. Antes, a credencial era emitida só para quem o fizesse a pé.


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