Folha de S. Paulo


Haddad já admite 'deslizar' metas anunciadas para depois de 2016

Nem todas as 123 metas previstas no programa de gestão de Fernando Haddad (PT) para a cidade de São Paulo devem ser cumpridas até 2016, indica o próprio prefeito.

Em entrevista à Folha, o petista admitiu "deslizar para a frente" algumas das iniciativas anunciadas para conclusão até o fim do mandato. Entre elas, a entrega de 150 km de corredores de ônibus.

"O que posso assegurar é que vamos estar com 150 km de corredores em obras no ano que vem. Mas quantos quilômetros estarão 100% entregues? Essa é uma pergunta que o ritmo da obra vai ditar", disse o prefeito, ao ser questionado sobre a estimativa de que essas obras devam demorar dois anos e meio. Até agora, só 36 km dos 150 km previstos foram iniciados.

Fabio Braga/Folhapress
Fernando Haddad (PT), em entrevista à *Folha*
Fernando Haddad (PT), em entrevista à Folha

Haddad credita esse cenário às dificuldades financeiras causadas pela redução de receitas. Contribuíram para a perda de arrecadação de R$ 2,5 bilhões o reajuste do IPTU bloqueado pela Justiça e o congelamento da tarifa de ônibus depois dos protestos de junho do ano passado.

"Tivemos que suspender obras do PAC [ação federal] porque não tínhamos contrapartida. As desapropriações de terrenos nós tivemos que segurar, porque não tinha recurso para pagar as desapropriações para vários equipamentos públicos", afirmou.

Agora, o prefeito admite que corre contra o tempo. "O que você faz é deslizar o planejamento para a frente. Você vai deslizando as medidas tomadas. Tem como compensar? É o que a gente busca."

A nova tarifa de ônibus deve ser decidida nos próximos dias e, na questão do IPTU, Haddad fez um recuo tático.

Reduziu o teto do reajuste para no máximo 15% (ante os 30% anteriores), mas manteve a receita por meio da alta do ITBI, imposto pago sobre transmissão de imóveis que subirá de 2% para 3%.

A medida foi um afago do prefeito, que buscará a reeleição em 2016, em parcelas importantes do eleitorado: comerciantes e classe média.

Com o setor do comércio, especificamente, a relação com Haddad já estava desgastada devido à retirada de vagas de estacionamento para a criação de faixas de ônibus e de ciclovias pela cidade.

Editoria de Arte/Folharpress

O empenho do prefeito na aprovação da renegociação da dívida da cidade com o governo federal pode trazer um respiro financeiro à gestão, mas os reflexos maiores devem vir a longo prazo, assim como acontecerá com a aprovação do Plano Diretor (conjunto de regras para o crescimento físico da cidade).

Por isso, Haddad diz acreditar que será lembrado por ações que incentivam a reocupação do espaço público. "Porque, quando fala faixa, ciclovia, parque, praça wi-fi... O que está por trás? Um conceito só. Nós temos que nos reapropriar da cidade. A cidade foi perdendo as características de espaço público."

Leia trechos da entrevista concedida no último dia 16.

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IPTU
Nossa proposta foi de IPTU progressivo. Nós não só vamos devolver o tributo para quem pagou a mais por culpa do PSDB como vamos baixar o imposto para muitas pessoas em 2015. Na periferia, o IPTU residencial terá redução média de mais de 10%. Isso é fazer justiça tributária.

No caso do centro, onde teve mais valorização, foi encontrada uma forma de diluir mais, com travas menores, preservando aquele contribuinte que porventura não teve aumento da renda, que não acompanhou a valorização da casa dele. O aumento médio para toda a cidade, na comparação com 2014, é de menos de 4%. Para o residencial, é menos de 1%. E o aumento do ITBI é uma forma justa de compensar na arrecadação. Esse imposto é cobrado na hora da transação, quando o lucro é realizado.

Tarifa de ônibus
Estamos processando o manancial de informações que nos foram entregues [pela auditoria contratada], discutindo cenários, considerando hipóteses, estudando a questão do estudante pormenorizadamente [há possibilidade de tarifa zero para alunos de baixa renda].

Finanças
Assumimos numa condição de aperto financeiro. São Paulo investe metade do que as demais capitais do Sudeste per capita. Tivemos dois revezes: o congelamento pelo quarto ano da tarifa, um aumento brutal do subsídio e a inédita liminar de suspensão da atualização da planta genérica, que levou um ano para ser suspensa.

Cortes
Veja a diferença entre o orçamento aprovado e o executado. São bilhões de reais [a menos]. Tivemos que suspender obras do PAC porque não tínhamos contrapartida. Tivemos que segurar porque não tinha recurso para pagar as desapropriações para vários equipamentos públicos.

Coloca em risco o planejamento? Efetivamente, não, porque continua sendo feito. O que você faz é deslizar o planejamento para a frente. Você vai deslizando as medidas tomadas. Tem como compensar? É o que a gente busca. Hoje nós temos R$ 14 bilhões em obras sendo licitadas, isso tudo não se perde.

Óbvio que esses revezes trazem dificuldades. Qualquer pessoa é capaz de entender que se perdeu R$ 2,5 bilhões entre subsídio e IPTU que vão ter que ser compensados de algum jeito para manter o cronograma. Queremos até o meio do ano de 2015 estar com todas as obras em execução.

Corredores
Você não entrega o corredor, você vai entregando trechos do corredor. O que posso assegurar é que vamos estar com 150 quilômetros de corredores em obras no ano que vem. Mas quantos quilômetros estarão 100% entregues? Essa é uma pergunta que o ritmo da obra vai ditar.

Trânsito
Ninguém está pedindo para não comprar carro, não é isso. Compre seu carro, use seu carro, mas estou oferecendo uma alternativa que vai fazer a cidade funcionar melhor. O que deveria causar indignação é a foto de um ônibus num congestionamento de carros e isso não causava indignação, porque as pessoas não estavam se importando com as pessoas que estavam dentro do ônibus. O que causa [indignação] é um ônibus numa faixa livre e um congestionamento de carros.

Ciclovias
O que a administração não pode fazer é não oferecer uma alternativa para quem não quer ficar no trânsito. Então, as faixas de ônibus e as ciclovias são dever da administração, segundo legislação federal. Quantos vão migrar? Isso é uma questão relevante, mas, do ponto de vista jurídico e conceitual, o que se impõe é que tenho que oferecer alternativa. Nós gastávamos bilhões para fazer faixas de rolamento, viaduto e túnel na cidade. Será que foi uma boa opção de investimento?

Educação
Infelizmente, as taxas de reprovação vão aumentar [devido à mudança feita pela prefeitura que permite reprovar em até cinco séries, e não mais em duas]. Eu digo infelizmente porque eu não quero trocar a aprovação automática pela reprovação automática. As duas coisas são ruins para a cidade. Estamos numa transição. Às vezes, se a criança foi bem em uma disciplina e foi mal em outra, pode não justificar a reprovação. Você pode decidir por recuperar o aluno em uma disciplina, para isso existe recuperação.

Legado
Você acha que alguém vai valorizar o acordo da dívida [com a União]? Foi a coisa mais importante que eu fiz pela cidade. São R$ 26 bilhões de redução de estoque da dívida. Qual outra coisa que posso fazer tão importante quanto essa? Se juntar Plano Diretor, PAC [programa federal de aceleração do crescimento] e dívida, eu sempre falo: é o tripé que vai garantir São Paulo por 20 anos.

Espaço público
A marca [da administração] vai ser a reapropriação do espaço público. Porque, quando se fala em faixas de ônibus, ciclovia, parques, praça wi-fi... O que está por trás? Um conceito só. Nós temos que nos reapropriar da cidade, que foi perdendo as características de espaço público. Mexer com esses tabus, como comida de rua, artista de rua, carnaval de rua, o parklet [minipraças], o grafite, até os acordos que estamos fazendo com os pancadões, para diminuir o número e organizar os locais, é um trabalho que pode parecer restrição, mas na verdade é de organização.


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