Folha de S. Paulo


Ex-padre recebe sem surpresa excomunhão por defender união gay

O ex-padre Roberto Francisco Daniel, de 49 anos, recebeu sem surpresa a decisão do Vaticano, no último sábado (15), de oficializar sua excomunhão da Igreja Católica.

Excomungado desde abril do ano passado pela Diocese de Bauru (a 329 km de São Paulo), ele ainda aguardava a confirmação da Santa Sé.

Padre Beto, como é conhecido, foi punido por defender o casamento entre homossexuais e divorciados e por questionar dogmas da igreja.

A polêmica começou quando o bispo Caetano Ferrari, de Bauru, determinou que o então padre retirasse da internet vídeos em que questionava tradições do catolicismo e pedisse perdão. Beto se recusou e pediu afastamento temporário da igreja.

Denise Guimarães - 3.mai.13/Folhapress
Roberto Francisco Daniel foi excomungado da Igreja Católica por dizer que pode haver amor em relacionamentos bissexuais
Roberto Francisco Daniel foi excomungado da Igreja por defesa de relacionamentos homossexuais

Antes de se afastar, porém, celebrou missas de despedida que reuniram milhares de fiéis. No dia seguinte, ao tentar entregar o pedido de afastamento, foi comunicado sobre a excomunhão. A decisão provocou passeatas e comoção nas redes sociais.

O processo sobre a excomunhão, decidida em Bauru em 2013, foi enviado à Congregação para a Doutrina da Fé, o tribunal supremo do Vaticano, que agora confirmou a decisão, divulgada pelo juiz instrutor do caso, padre Tiago Wenceslau.

"A excomunhão é a mais grave pena na qual um fiel cristão católico pode incorrer", diz o texto. "O reverendo padre incorreu de modo livre e consciente nessa pena."

Beto pode reverter a punição caso decida pedir perdão à Igreja Católica, o que não pretende fazer. "Como posso pedir perdão por afirmações que considero corretas? Gente de dentro da igreja também acha isso, mas não fala", disse à Folha.

Ele diz que esperava a decisão do Vaticano, principalmente depois do Sínodo dos Bispos, reunião de cardeais convocada pelo papa Francisco. O documento final do encontro, divulgado em outubro, não citou a possibilidade de união entre gays ou divorciados.

"É nítido que o papa Francisco tentou dar um passo à frente, mas o texto final deixou tudo como está", disse.

O ex-padre também chama a atenção pelo estilo heterodoxo. Usa piercing, tem camiseta de Che Guevara e frequenta choperias. É fã de Raul Seixas e participa de debates sobre sexualidade. Diz manter o celibato mesmo após a excomunhão, mas não nega ter desejos sexuais.

CASAMENTEIRO

Professor universitário e escritor, o ex-padre Beto continuou celebrando casamentos mesmo após ser excomungado pela Diocese de Bauru.

Ele é contratado por casais gays, divorciados ou fiéis que querem fazer a cerimônia fora dos templos. Cobra R$ 400 por casamento e já tem a agenda cheia para o ano que vem. "Levo palavras de amor. As pessoas continuam me vendo como padre", diz.

No comunicado do Vaticano, o juiz instrutor pede aos fiéis que não participem de "atos de cultos" celebrados pelo excomungado e informa que os matrimônios feitos por ele após a declaração da pena não têm validade.

O funcionário público Igor de Oliveira Zwicker, 34, e o designer Arthur de Oliveira Zwicker, 23, descobriram o ex-padre Beto pela internet e o levaram para realizar seu casamento, em Belém (PA).

"Vejo essa excomunhão com tristeza", diz Igor. "A igreja não pode perder a capacidade de dialogar com a sociedade. O que o padre Beto prega é o amor de Cristo."

Fã do religioso, Daniela Guedes Bombini, de Bauru, conta que voltou a frequentar a igreja por causa das missas do ex-padre, pois ele trazia o Evangelho para os dias atuais. Ela deixou de ir a missas depois da excomunhão.

Em texto publicado nas redes sociais, o ex-padre afirmou que a decisão do Vaticano não vai mudar sua vida.

"Estou em paz e seguindo o que Cristo pregou. E volto a dizer: se refletir é um pecado, eu sou um pecador."


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