Folha de S. Paulo


Médico que apura abuso sexual na USP se afasta da universidade

O médico patologista Paulo Saldiva, 60, que presidia a comissão que apura as denúncias de abuso sexual na USP, pediu afastamento da instituição nesta quarta (12).

Ele está de licença-prêmio (90 dias de licença sem prejuízo dos vencimentos), mas diz que deixará o cargo de professor titular que ocupa na universidade desde 1996.

A decisão veio após audiência pública na Assembleia Legislativa em que foram relatados oito casos de violência dentro da USP, entre os quais dois de estupro em festas organizadas na universidade.

Em entrevista à Folha, Saldiva afirma que "cansou de engolir sapo" e que o escândalo foi a "gota d'água" para sua saída, embora existam outras causas como o desejo de parcerias com outras universidades, o que é vetado hoje pelo regime de trabalho na USP (dedicação exclusiva).

'CRISE DE CONDUTA'

"A faculdade [de medicina da USP] se comportou mal. Houve demora da congregação, ficaram na defensiva [sobre as denúncias de estupro das alunas]. Há uma crise de conduta, de valores. Cansei de engolir sapo", diz.

Na audiência, os alunos relataram que a faculdade se omitiu na apuração dos casos para preservar sua imagem. As primeiras denúncias surgiram em 2011.

"A faculdade nunca fez nada. Como professor, sinto que falhei, não desempenhei meu papel. Todos os professores deveriam se sentir assim. Isso diz respeito a todos nós."

Segundo o patologista, o relatório da comissão, que deve ser entregue à congregação da Faculdade de Medicina, apresentará um retrato ainda pior do que aquele relatado na Assembleia.

"Há mais denúncias de abuso de álcool e de drogas, de assédio moral, de intolerância religiosa e étnica."

Ele não quis adiantar mais detalhes sobre o documento. Para Saldiva, a faculdade tem o desafio de mudar a cultura que impera hoje.

"Precisamos incorporar o conteúdo de respeito à dignidade humana ao currículo. Chega de intenção. É preciso prática. E isso também tem que chegar até os professores. Não adianta só culpar os alunos."

CANAL DE DENÚNCIAS

Milton Arruda Martins, professor de clínica médica que deve assumir o lugar de Saldiva na presidência da comissão, diz que a proposta é que a faculdade crie a partir de 2015 um canal permanente para receber denúncias.

"Queremos coibir qualquer tipo de constrangimento e punir mais rapidamente as faltas graves, com expulsão e suspensão", afirma.

Quanto à saída de Saldiva, Martins espera que ele volte atrás. "Os alunos estão se sentindo desamparados." O patologista diz que seguirá na USP como colaborador.

ESFORÇOS

Em nota, a direção da Faculdade de Medicina da USP disse que "lamenta, mas respeita" a decisão de Saldiva.

Segundo a direção, os casos de abuso estão sendo investigados. "Temos somado esforços para avançar na questão da tolerância à diversidade e do combate a qualquer forma de violência."


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