Folha de S. Paulo


Até de madrugada, moradores de Itu (SP) fazem fila por água em bica; veja

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Uma e meia da madrugada de quinta-feira (23). O ajudante geral Devacir Soares do Nascimento, 26, amarra com cordas e elásticos velhos um suporte improvisado na garupa da moto. Coloca ali galões e garrafas e sai de casa em direção à bica da Vila Santa Terezinha, em Itu (a 101 km de São Paulo).

Na cidade paulista que sofre há mais tempo com a falta de água –desde setembro de 2013, segundo moradores–, Nascimento é uma das centenas de pessoas que recorrem ao local diariamente.

Para não ficar sem água em casa, o ajudante geral faz o trajeto de 30 minutos duas ou três vezes ao dia. São 12 km, ida e volta, a 40 km/h, para que as garrafas não caiam.

Com um racionamento que se arrasta desde fevereiro, a situação dos moradores de Itu, que tem 165 mil habitantes, se agravou nos últimos meses. A população vem realizando uma série de protestos, alguns dos quais terminaram em quebra-quebra e confronto com a polícia.

Os reservatórios e represas que abastecem a cidade estão há meses em estado crítico devido à falta de chuvas. Ontem (23), operavam com níveis entre 1% e 4%. Com isso, apenas um terço do consumo diário de mais de 60 milhões de litros é atendido.

Outro 1 milhão de litros é fornecido por caminhões-pipa, mas o Ministério Público Estadual diz que as medidas adotadas são insuficientes. A pedido da concessionária Águas de Itu, os carros são escoltados para evitar saques.

ÁGUA DO POÇO

As filas na bica, um conjunto de torneiras localizadas em uma praça, começaram há 25 dias. A água vem de um poço artesiano construído há cerca de 20 anos.

De madrugada, o movimento é menor. Quando a reportagem esteve no local, dez pessoas enchiam galões (são dez torneiras no local) e outras dez esperavam a vez. Depois da meia-noite, a bica é procurada por idosos e famílias que tentam driblar as imensas filas do resto do dia.

'FORMIGUINHAS'

Para conseguir levar toda a água que precisam, vizinhos e famílias inteiras se unem e fazem mais de uma viagem por dia ao local. Outros levam mangueiras para levar a água das torneiras até o carro, parado na praça.

Os vizinhos Vinícius Arruda, 27, e Leandro Augusto Marinoni, 29, enchem a cada dois dias o bagageiro de um Fiorino com galões dos mais variados tamanhos. Segundo eles, conseguem 500 litros.

Arruda utiliza uma mangueira de cerca de dez metros. A água é dividida com o vizinho, familiares e amigos.

A família da bordadeira Valdice Guerellus da Silva, 58, foi ao local em dois carros para carregar o maior número possível de recipientes. Ela, o marido, a filha e o namorado dela fazem um trabalho de "formiguinha". Na terça (21), encheram vários galões com mais de cem litros.

Quando acordaram, no dia seguinte, sobrara apenas um litro e meio. Nesta quinta (23), tiveram de repetir a dose.

FUSCA 71

O aposentado Luiz Antônio Antunes e a mulher Regina Stofani Antunes, ambos de 77 anos, estão sem água nas torneiras há cerca de 15 dias. Em dias alternados, o casal cumpre a rotina de buscar água para lavar louça, roupas, cozinhar e tomar banho.

Enquanto Regina enche os galões com um funil improvisado, o aposentado os carrega com dificuldade pelas escadas de acesso. Ofegante, ele caminha até o Fusca 1971, estacionado perto dali, onde guarda os galões nos bancos traseiros e no porta-malas.

Pior, lembra o consultor Aguinaldo Luiz da Silva, 51, é saber que todo mês ainda tem de pagar a taxa mínima da conta (R$ 24,80) mesmo que tenha consumido "uma colher de água". Segundo ele, quando o líquido chega às torneiras, cheira esgoto.

Colaborou LUCAS SAMPAIO, de Campinas


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