Folha de S. Paulo


O Brasil falhou na política de combate ao narcotráfico, diz diretor de ONG

A política de combate às drogas no Brasil fracassou e o país vive um processo de negação da atual situação.

Quem afirma é o fundador e diretor da ONG americana Drug Policy Alliance (Aliança para uma Política de Drogas), Ethan Nadelmann.

PhD em ciência política por Harvard e mestre em relações internacionais pela London School of Economics, Nadelman discursará na TED Conference 2014, que ocorre até a sexta-feira no Rio.

Para ele, o país vive um problema crescente de abuso no uso de drogas, principalmente a cocaína e o crack.

Não tratar o assunto como uma questão de saúde pública, focando ações na repressão a traficantes e no desencorajamento do uso por meio da proibição, o país aprofunda os problemas.

O primeiro passo, disse, seria avançar no debate da liberação do uso medicinal da maconha e, posteriormente, o recreativo, a exemplo do que fazem os Estados Unidos.

Nadelmann falou de Nova York à Folha. Leia a seguir:

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Folha: O senhor conhece a realidade das drogas no Brasil?
Ethan Nadelmann - Sim. Eu estive no Brasil três ou quatro vezes em cinco anos, já dei palestras em São Paulo, Rio e Brasília e conheço congressistas e membros de ONGs. Nossa ONG trabalha próxima à Global Commission on Drug Policy, da qual faz parte o ex-presidente [Fernando Henrique] Cardoso.

E qual é a sua impressão?
Minha impressão é que o Brasil tem um problema crescente de abuso no uso de drogas, especialmente a cocaína e sua forma derivada, o crack. Ele é resultado do fracasso da política de proibição, que não pensa em proteger o usuário, mas em apenas dificultar seu acesso às drogas. Os barões do tráfico nas favelas, a violência e a corrupção não são motivados só pelas drogas, mas esse modelo acentua a situação. O que se vê em algumas cidades brasileiras é semelhante ao que vimos na Chicago de Al Capone, quando a bebida alcoólica era proibida [na década de 1920]. Há gângsteres exercendo poder político, ganhando dinheiro com negócios ilegais, corrompendo a polícia e o governo e resolvendo seus problemas de maneira violenta. Me parece que o Brasil está, em um certo ponto, em processo de negação em relação à natureza desse problema.

O senhor enxerga algum avanço no debate no Brasil na esfera de governo?
Ao mesmo tempo que há os retrocessos, há algum progresso no que diz respeito ao uso medicinal da maconha. O que o prefeito de São Paulo [Fernando Haddad] está tentando fazer nas cracolândias, por exemplo, com a introdução de medidas de redução de danos, é a coisa certa a se fazer. É um exemplo de sabedoria, pragmatismo e coragem política, que são essenciais para que o Brasil dê um passo adiante na questão das drogas de maneira mais inteligente. Se as lideranças políticas persistirem na política fracassada do passado, o problema só aumentará.

De que forma?
As pessoas precisam abrir os olhos no Brasil e enxergar honesta e realisticamente o que está acontecendo. O Brasil gasta, ano após ano, mais e mais dinheiro na lógica da combate às drogas. Dinheiro é gasto nas detenções de rua, em acusações judiciais e no encarceramento da população. Enquanto isso, os problemas relacionados ao abuso no consumo de drogas continuam a crescer. A proibição dá a falsa sensação de que se está garantindo a segurança da população.

Algumas pessoas argumentam que a legalização da maconha aumentará o acesso dos jovens às drogas.
A pergunta é: quem mais tem acesso à maconha hoje? Os jovens. Quem mais tinha há dez anos atrás ou há 20? E quem terá nos próximos 20 anos se a maconha continuar ilegal? Há três pesquisas nos EUA em que os jovens disseram ser mais fácil adquirir maconha do que álcool no país. Então, essa noção de que a proibição está protegendo os jovens é nonsense. Legalizando para adultos não significa legalizar para menores de idade, já que será necessário, assim como o álcool, comprovar maioridade para comprar nas lojas.

Pode haver algum aumento de consumo em outras faixas?
Eu acredito que o número de consumidores vá crescer entre as pessoas de 40, 50, 60, 70 e 80 anos. Serão pessoas que descobrirão que preferem um pouco de maconha ao invés de tomar uma bebida à noite ou de tomar um medicamento para dormir. Serão pessoas que usarão maconha para aliviar as dores da artrite ou no tratamento da diabetes, por exemplo.


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