Folha de S. Paulo


Falta de chuva 'estressa' ipês-rosas que florescerem mais em São Paulo

Ipês-rosas florescem mais nesta primavera devido à falta de chuvas na capital paulista; sob "estresse hídrico", árvores tentam se reproduzir para garantir perpetuação da espécie

Quando alguém tem uma perspectiva otimista para uma situação ruim, os nativos de língua inglesa costumam dizer que fulano está enxergando as coisas "através de lentes cor-de-rosa" ("to see through pink glasses" ou "rose-colored glasses", em inglês).

A expressão cai como uma luva, e com um tanto de literalidade, no espetáculo que os ipês-rosas promovem nesta primavera pelas ruas da cinza capital paulista.

Neste ano, a florada dos ipês-rosas está mais exuberante devido àquilo que os botânicos chamam de "estresse hídrico", ou seja, a mesma falta de chuvas que gerou uma das mais severas crises de abastecimento da história no Estado de São Paulo.

O mecanismo que faz da falta de água um gatilho para a floração mais intensa é engenhoso sem deixar de ser também dramático.

A seca parece ser entendida pela árvore como um sinal de alerta: se não voltar a chover, ela pode morrer.

"A árvore fica numa condição estressada e direciona toda a sua energia para a produção de flores, e não de folhas, passando do estado vegetativo para o reprodutivo", explica José Ricardo Ribeiro Hoffmann, engenheiro agrônomo do Viveiro Manequinho Lopes, no parque Ibirapuera, em São Paulo.

Com isso, a árvore se torna mais atraente na competição por agentes polinizadores, gerando o maior número possível de frutos e sementes que, ao produzirem descendentes, podem garantir a sobrevivência da espécie.

Lúcia Garcez Lohmann, professora de botânica da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em ipês, explica que ainda se sabe muito pouco sobre a fisiologia dessas espécies. "Tudo é baseado em observação", diz.

Segundo ela, os ipês florescem mais quanto mais seco estiver o clima e quanto mais longos forem os dias. "Como neste ano a estiagem foi muito severa e prolongada justamente no período próximo ao verão, quando há luz por mais tempo, a floração está realmente mais intensa do que de costume. As flores explodiram."

A árvore, de nome científico Tabebuia rosea, é uma espécie exótica, ou seja, não pertence à flora da mata atlântica brasileira. Ela é originária de países como México, El Salvador e Equador, e foi por muito tempo confundida com outra espécie, a Tabebuia pentaphylla, que ocorre nas Antilhas.

A espécie começou a ser plantada em São Paulo há cerca de 30 anos por causa de seu grande potencial ornamental. Hoje, há ipês-rosas espalhados pelo parque Ibirapuera e entorno, ao longo da avenida 23 de Maio e da marginal do rio Tietê, além de outros pontos da cidade.

Existem cem espécies conhecidas de ipês: 93 são ipês-amarelos, quatro são ipês cor-de-rosa, duas são ipês-roxos e apenas uma espécie apresenta flores brancas.

Para a designer de moda baiana Ana Peroba, 44, as flores dos ipês-rosas de São Paulo são o tapete de boas-vindas de sua mudança para a capital paulista. "Venho sempre a São Paulo e percebi que neste ano essas árvores estão mais floridas. A cidade está linda, pontuada por tons de rosa e de lilás", admira-se.

"Na correria da cidade, nem todo mundo consegue reparar naquilo que a natureza está oferecendo." Para ela, se for para encarar a estiagem de São Paulo, que seja através de lentes cor-de-rosa.


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