Folha de S. Paulo


Morre aos 102 anos assistente social gaúcha que cuidava de presos no RS

Ela chamava de anjos os milhares de presos –inclusive os de alta periculosidade– de Porto Alegre que recebia em casa. Agora, muitos deles devem estar com essa palavra na cabeça para lhe fazer a última homenagem.

Morreu neste domingo (21), perto do meio-dia, em Porto Alegre (RS), a filha de fazendeiro e assistente social Maria Ribeiro da Silva Tavares, 102, que desde 1936 cuidava de detentos.

Ela estava internada no hospital Ernesto Dornelles, na capital gaúcha, em decorrência de problemas relacionados à velhice. Por isso, era cuidada nos últimos anos por dois ex-presos que ela acolheu.

"[A morte] Foi decorrente da idade", conta o filho adotivo Carlos Eduardo Aguirre, 57. O corpo de Maria será velado no patronato Lima Drumond, que ela fundou em 1947 com recursos próprios e dinheiro da herança de jovem viúva.

O trabalho da dona Maria com os detentos começou quando ela tinha 24 anos. Já viúva na ocasião, ela conseguiu autorização de trabalho externo para 36 presos do Presídio Central e os levou para casa.

A partir daí, sua vida foi dedicada a acolher e recuperar detentos, trabalho que desagradou, no início, sua família. Sobre seus "anjinhos", ela costumava dizer que "não existem criaturas irrecuperáveis, mas métodos inadequados".

Atualmente, o patronato abriga 63 homens que cumprem pena do regime semiaberto. "O velório será feito lá em homenagem aos presos", explica o filho.

O enterro deve ser na manhã desta segunda-feira (22), no cemitério Jardim da Paz, na capital gaúcha.

Antes de ser internada, Maria morava no local. Ela completaria 103 anos em novembro.

Nos últimos 12 anos, Maria era cuidada principalmente por Roberto Sotello, 50, ex-preso que a chamava de "mãezinha". Sotello cumpre condicional e inicialmente foi rejeitado pela direção do patronato, dirigido pelo Estado depois de um convênio, por ser considerado um "preso perigoso".

Enquanto não havia vaga no patronato, Maria contratou Sotello como seu motorista e, depois, ele assumiu a função de cuidador da senhora.

Como presente, no último verão, Sotello ofereceu a dona Maria um passeio especial. Ele a levou para acampar durante cinco dias na Lagoa dos Patos. De cadeira de rodas, ela entrou na água.

'DIÁLOGO E CONFIANÇA'

No seu trabalho de conclusão de curso de Assistência Social na PUC-RS, em 1948, Maria analisou o sistema penitenciário e identificou como principal causa da delinquência os "lares desajustados". Sua metodologia de recuperação era baseada em diálogo, respeito e confiança.

Patronatos são estabelecimentos públicos ou privados para cumprimento de pena do regime semiaberto e aberto, além de atendimento aos egressos do sistema penitenciário.

À frente do seu tempo, Maria criou o patronato Lima Drumond muitos anos antes do reconhecimento por lei deste tipo de instituição, o que só ocorreu em 1984.

Dos 1.478 estabelecimentos penais do país, apenas 16 são patronatos, segundo o Ministério da Justiça.


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