Folha de S. Paulo


Moradores conseguem vagas em invasão com atestado da prefeitura

Famílias sem moradia conseguiram vaga em prédio invadido por sem-teto na região central de São Paulo após obterem um atestado de pobreza emitido pela própria prefeitura.

O caso foi revelado nesta quarta-feira (10) pelo "Bom Dia SP", da Rede Globo, que mostrou documentos assinados por duas funcionárias da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

A Folha conversou nesta quarta-feira de manhã com designer gráfico Alessandro Feitosa, 38. Ele ocupa um quarto no prédio invadido desde novembro.

Feitosa diz que ficou sabendo por um amigo na época que o prédio invadido poderia receber mais gente. "Um amigo passou aqui na frente viu o prédio [Cine Marrocos], procurou se informar e ai eles [direção do MSTS] falaram que precisava trazer um encaminhamento..(...) é uma comprovação de vulnerabilidade social, que eu trouxe para cá em novembro do ano passado, logo no começo", disse.

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Exemplo de uma declaração de encaminhamento feito por uma assistente social
Exemplo de uma declaração de encaminhamento feito por uma assistente social

O designer na época vivia no centro de acolhida Arsenal da Esperança no Bresser, na zona leste. Lá Feitosa explicou o que acontecia e obteve uma carta atestando sua situação de fragilidade social. O documento, em papel timbrado da Prefeitura de São Paulo, é assinado por um servidor e endereçado ao Movimento Sem Teto de São Paulo.

O diretor jurídico do MSTS, Douglas Gomes, 36, afirmou que a "prática é rotineira". "Isso acontece desde o final do ano passado. O procedimento acabou em fevereiro, até para evitar ligações eleitorais. Mas informalmente, muita gente ainda vem em busca disso", disse.

Ele admite que o MSTS exige confirmação de vulnerabilidade social daqueles que pedem para entrar em áreas invadidas, mas nega que exija que a declaração de pobreza seja emitida pela prefeitura. "Nós queremos evitar que pessoas que tenham melhores condições morem aqui", afirmou.

A declaração fornecida pelas funcionárias diz ainda que as pessoas encaminhadas não têm, inicialmente, dinheiro para contribuir com o rateio das despesas da ocupação. Atualmente, o MSTS cobra R$ 200 por mês de cada família invasora.

O secretário do MSTS, Wladmir Ribeiro Brito, disse à TV Globo, no entanto, que "a própria prefeitura pediu vagas no prédio. "E a gente deu. Agora a prefeitura quer jogar essas mesmas famílias na rua", disse.

O garçom Urias Carvalho Neto também foi encaminhado ao Cine Marrocos pelas funcionárias e disse não ter sido procurado pela administração pública. "Vieram uma vez e fizeram um pré-cadastro. Depois disso nunca mais vieram. A gente se sente meio esquecido", afirmou. O prédio do Cine Marrocos pertence à Secretaria Municipal da Educação e foi invadido no fim do ano passado.

A secretaria emitiu uma nota em que disse condenar "veementemente" essa prática e informou que vai "apurar os fatos e tomar as medidas cabíveis".

ILEGAL

O prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou nesta quarta que o encaminhamento de moradores de para invasões de sem-teto é uma ilegalidade e que provavelmente as funcionárias responsáveis pela ação serão afastadas.

"Jamais um servidor público pode ter esse tipo de conduta. Mesmo que tenha feito de boa fé é uma ilegalidade", disse. "[Elas] vão responder por isso."

Ele ressaltou que o único procedimento padrão é encaminhar os moradores de rua para centros de acolhimento da prefeitura. "Garanto que elas [as funcionárias] não foram orientadas [a fazer o encaminhamento para a invasão]", disse.

Haddad afirmou não conhecer o MSTS. "E já foi pedido inclusive a reintegração daquela área [o Cine Marrocos]. Aquela área é destinada a educação".


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