Folha de S. Paulo


Em dez anos, milícias passam de 6 para 148 favelas na cidade do Rio

Em 2011, durante o julgamento que condenou três homens por um assassinato na zona oeste do Rio, a juíza Simone Ferraz resumiu a situação de moradores de favelas.

"Há um novo câncer social. Somos hoje um povo doente, em especial a cidade do Rio, somos pacientes terminais de um tumor chamado milícia."

Ao olhar para o mapa hoje, entende-se o que queria dizer a juíza. Em 2004, seis favelas na capital eram controladas por milícias. Dez anos depois, são 148 em 28 bairros, segundo a Secretaria de Segurança.

O fenômeno, então restrito à capital, cresceu e hoje está em 23 dos 90 municípios do Estado, em 195 comunidades. Esse crescimento mostra que a prisão de 864 milicianos desde 2007 no Rio não freou a expansão desses grupos.

Se há uma década as milícias "vendiam" a ideia de comunidades sem traficantes, o passar do tempo revelou a exploração dos moradores.

Policiais militares, bombeiros, ex-policiais, militares e moradores das comunidades, que formam as milícias, descobriram que favelas são lugares para se ganhar dinheiro e até investir em eleições.

No início, milicianos candidatavam-se -entre 2007 e 2010, três se elegeram vereadores, foram presos e perderam seus cargos, assim como o deputado estadual Natalino Guimarães, criador da Liga da Justiça, a maior milícia do Rio.

Hoje, os criminosos preferem apoiar candidatos. Há denúncias de que as favelas são "vendidas" para o candidato ser o único a fazer campanha no local.

"O Rio é igual à Chicago dos anos 1930, em que agentes do Estado estavam envolvidos na corrupção. Lá, a solução foi chamar policiais de fora da cidade. Aqui, precisamos encontrar uma", diz o promotor Jorge Magno Vidal.
As quadrilhas começam cobrando por segurança. Depois, moradores são obrigados a comprar botijões de gás, TV a cabo, internet.

Numa comunidade em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, por exemplo, os milicianos cobram R$ 10 de cada casa que quiser ter água. O registro é aberto por meia hora.

REPRESSÃO INEFICAZ

Ao utilizar a tática de prender milicianos -já utilizada para tentar reprimir o tráfico-, a polícia se mostrou incapaz de inibir esses grupos.

A diferença é que, neste caso, o crime é praticado por agentes do Estado, com acesso a informações privilegiadas das ações da polícia.

"A substituição do comando segue a hierarquia do tráfico: prendeu um, já tem outro para substituí-lo", diz o sociólogo Paulo Storani, ex-instrutor do Bope, da PM.

Exemplo disso está em Campo Grande. Pouco mais de 20 dias após a prisão de 21 membros da Liga da Justiça, a milícia -que usa o símbolo do Batman- reestruturou-se. No lugar do ex-PM Marcos José Gomes, o Gão, entraram o ex-preso Jaime Soares Filho, o Mão de Seda, e Carlos Braga.

A dupla já foi vista indicando candidatos para os moradores votarem. Na sexta (29), foi preso Pablo Moraes, suspeito de fazer cobranças em nome dos milicianos.


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