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Rio de Janeiro ignora falta de água, afirma secretário paulista

O secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Mauro Arce, criticou, em entrevista à Folha, a baixa redução do consumo de água pelo Rio de Janeiro.

Ele também negou que tenha havido falta de planejamento no Estado e diz que a economia tem que continuar. Leia trechos abaixo:

Danilo Verpa/Folhapress
Mauro Arce, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do governo de São Paulo
Mauro Arce, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do governo de São Paulo

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Folha - Meteorologistas dizem que no ano que vem vai chover menos e que precisaria de seis meses com chuva acima da média para recuperar os reservatórios. Como o governo vai abastecer a população?
Mauro Arce - Previsão do tempo a longo prazo é uma pura... Veio uma meteorologista e disse o seguinte: se chover a média histórica, que são 84 anos, não recuperava. Por quê? Ela supôs que na hora que chovesse eu iria voltar a tirar 32 m³/s do Cantareira. Não é verdade, eu não posso fazer isso. Eu vou continuar tirando o que estou tirando.

Vocês vão manter o bônus [desconto na conta de quem economizar], vão manter todas as medidas anticrise?
Até que você tenha uma recuperação.

O ano que vem afora?
A menos que [a chuva] seja maior que a média. E se não chover a média? Claro, não vou atingir a mesma coisa.

Sem o sistema São Lourenço [que prevê aumentar o fornecimento de água a partir de 2017] e com o volume morto diminuindo no ano que vem, o governo se mantém inflexível na postura de que o racionamento está descartado?
Estamos caminhando. Com a água que tem do primeiro volume morto, daria para 125 dias. São quatro meses. Só daquele [primeira reserva de volume morto].

A Sabesp vinha dizendo [que haveria água suficiente até] março de 2015 [e não só pelo período de quatro meses]...
Março de 2015 porque tem outra reserva estratégica.

Há uma crítica recorrente ao governo de que não se fez rodízio por causa das eleições.
A primeira é que eu não conseguiria no Cantareira uma situação melhor do que conseguimos [com rodízio]. Por exemplo, a avenida Paulista é atendida pelo Cantareira. Quantos hospitais tem? Não dá para eu separar o Santa Catarina do prédio ao lado do Santa Catarina. Quem mora mais alto demora mais a receber e pode ser que, quando estivesse chegando a água lá, já estaria começando o novo período sem água. Há risco de rompimento de rede, contaminação da rede.

Segundo o Datafolha, 46% das pessoas relatam algum problema de falta d'água nos últimos 30 dias. Houve aumento em relação a maio, quando 35% das pessoas reclamaram. Por quê?
É uma coisa estranha, porque diminuiu o número de reclamações registradas de vazamento e falta d'água na nossa estatística.

Por que o governo decidiu reter água em Jaguari [o Estado havia reduzido nessa região a vazão de água que abastece o Rio; depois fez acordo]?
As pessoas de São Paulo consomem 5 m³/s [do rio Paraíba do Sul]. O Rio de Janeiro recebeu 107 m³/s para produzir 45 m³/s [para consumo humano]. E o resto? Essa água foi para diluir esgoto que não tem tratamento, atender indústria, outras aplicações que não o que diz a lei [que prioriza consumo humano].

A alegação que se faz é que não daria para tratar água se São Paulo enviasse menos.
O atual governo está lá há oito anos... Se continuar sem chover e o Rio de Janeiro fizer aquela ridícula redução de 165 m³/s para 160 m³/s [na captação de água do Paraíba do Sul, parte de um acordo fechado com o governo federal e São Paulo para contornar a crise], você vai chegar ao final de novembro com o reservatório praticamente sem água.

O sr. acha que não estão fazendo a parte deles?
Fui a semana passada lá, peguei um motorista de táxi, falei: "E aí, tem água à vontade?" "Tem água à vontade", ele disse. Nem para eles chegarem e dizer para as pessoas: "Se vocês não economizarem, no final de abril não vai ter água nenhuma". Você vai dizer assim: "O que você tem com o Rio?".

É porque, quando essa água acabar, acaba também para esses nossos consumidores do Estado de São Paulo. E a lei é clara, é questão de prioridade. Agora mesmo estava lendo sobre a Califórnia. O cara molhou a calçada e vai ser multado.

Por que não aconteceu aqui?
As pessoas aqui foram mais conscientes. Lá, o primeiro pedido foi para reduzir 20% do consumo. Só 5% atenderam. Aqui nós chegamos a 90%. Aí arrefeceu, por dois motivos. Eu nunca vi um inverno tão quente, além de não ser chuvoso. E fomos proibidos pela lei eleitoral de alertar as pessoas na TV.

Houve uma crise na década passada. O que podia ter sido feito e não foi feito?
Foi bem menos [grave] que essa. Não precisamos usar volume morto.

Mas de planejamento para o futuro?
Aumentamos bastante, por exemplo, a estação de tratamento do Alto Tietê e houve ampliações dentro de um planejamento. Se tivesse repetido a pior seca [dos anos 50] nem estaríamos conversando aqui.


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