Folha de S. Paulo


Vítimas de Abdelmassih enfrentaram fim do casamento e muitos traumas

Vanuzia Lopes, 54, e Monika Bartkevitch, 49, tiveram suas trajetórias de vida alteradas depois de procurar a clínica de Roger Abdelmassih.

Monika, atacada em 2000, foi a primeira a relatar em público, na Folha, os abusos. Seu casamento se desfez e, após sofrer ameaças, ela foi para os EUA.

Vanuzia não só perdeu o marido como os ovários e as trompas. Depois do julgamento do ex-médico, teve síndrome do pânico e engordou 50 kg.

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(...) Depoimentos a
VANESSA CORREA

Eduardo Knapp/Folhapress
Vanuzia Lopes, 54, uma das vítimas de Roger Abdelmassih
Vanuzia Lopes, 54, uma das vítimas de Roger Abdelmassih

VANUZIA LEITE LOPES, 54

Fui paciente do Roger [Abdelmassih] em 1993. Era jovem, bem casada. Ele me pegou no momento mais sagrado. Quando eu estava deitada esperando para uma alma ser fecundada dentro de mim.

Ele fez sexo anal comigo, e depois vaginal. Eu peguei uma infecção, fiquei internada no [hospital Albert] Einstein, perdi trompas e ovário. Dois dias depois eu estava ali, cheia de pus na barriga.

Eu fui a única vítima que tinha esperma dele. Na época, eu fui na delegacia, no conselho de medicina, ninguém me ouviu. Pensei que era só eu que tinha sofrido abuso. Depois de alguns anos, vi a denúncia da secretária dele.

O Roger [Abdelmassih] dizia que éramos covardes. Então eu decidi mostrar o rosto. Eu fui vítima, mas não sou coitada. Depois que ele saiu de cima de mim, estou no meu direito de caçá-lo.

Em 1993, eu engoli minha dor. Pensei que eu era vítima sozinha. Meu casamento terminou logo depois.

Em 2008, sofri outro estupro, digamos assim. Tive que contar minha história na frente da juíza, enfrentar os advogados dele, enfrentar esse homem de novo. Aí que eu desenvolvi síndrome do pânico.

Depois de dois anos comecei a melhorar. Então, o Gilmar Mendes [ministro do STF] soltou ele. Piorei de novo.

Decidi que vou entrar com uma representação contra Mendes, por sofrimento desnecessário. Sofremos abuso, a sequela do abuso, a exposição durante processo. E sofremos agora, de novo, para colocá-lo na cadeia.

Eu comecei a estudar direito para justamente entender como podem ter soltado um homem que foi condenado com a maior pena por estupro, que pegou as vítimas no momento mais vulnerável.

Eu engordei 50 kg por causa do pânico. E nunca mais tinha tido qualquer contato físico com outro homem desde que adquiri a síndrome.

Em 2011, me internei numa clínica e perdi o peso que ganhei. Só recentemente consegui dar um beijinho em alguém. Estou namorando. Minha vida agora está bem.

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MONIKA BARTKEVITCH, 49

Ontem [terça, 19] foi um grande dia. Pela primeira vez meu ex-marido me pediu desculpas, colocou tudo para fora, chorou. Disse: "Eu devia ter matado o desgraçado, ele acabou com a nossa vida".

Depois de dez anos de casados –era o segundo casamento dos dois–, queríamos ter um filho nosso. Foi aí que tudo aconteceu.

Tentei denunciar. Meu marido não quis. O padrão de vida da gente era fora do normal, não viajávamos de avião comum, só no jatinho dele. E ele não quis entrar nessa confusão. Não me apoiou e eu fiquei magoada. Quinze dias depois, me separei.

Desde o primeiro dia que eu fui na clínica, achei a conduta do médico estranha, ele me puxou pela cintura. Eu comentei com meu marido.

Na segunda vez, ele [Abdelmassih] já me beijou na boca. Aí o meu marido falou: "Olha, Monika, a gente quer muito, é o nosso sonho ter o nosso filho. Você vai ter que saber conduzir essa situação".

Não consegui engravidar com o tratamento. Assim que você faz a inseminação, você tem que ficar em repouso, com as pernas para cima. E bem nesse momento eu fui atacada pela segunda vez.

Ele lambia o meu rosto todo, dizia que era louco por mim. Jogou o corpo para cima de mim, tapou minha boca. Eu devo ter ficado lutando com eles uns 15 minutos.

Depois disso, eu entrei em uma depressão terrível. Quando saiu a primeira matéria, as pessoas nos agrediram, diziam que éramos loucas, que queríamos aparecer.

Eu tinha um casamento maravilhoso. Minha vida virou de ponta-cabeça. Eu recebia ameaças de morte o tempo inteiro, fiquei quase louca.

Tive que sair do Brasil com a minha filha [a menina nasceu três anos depois do fim do relacionamento que Monika tinha quando foi vítima de Abdelmassih], com quatro anos na época. Fiquei seis anos fora. Montei uma empresa, trabalhava como "personal shopper" [que faz compras personalizadas].

Agora moro no litoral paulista. Trabalho como gerente de uma padaria. Embora eu seja formada em publicidade e fotografia, eu optei por morar em um lugar mais escondido. Ele [Abdelmassih] agora está preso, mas ainda é uma pessoa muito influente. Tenho medo.


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