Folha de S. Paulo


Com 'seleções' de 16 países, Nigéria vence Copa dos Refugiados

O camisa 2 da "seleção" da Nigéria finca a bola no campo de terra batida do Centro Esportivo Novo Glicério, região central de São Paulo.

O pênalti decisivo contra Camarões tem clima de final de Copa -mais precisamente a Copa do Mundo dos Refugiados, disputada no fim de semana na capital paulista.

Ifeanyi Michael, 22, ajeita o calção verde. Olha para o alto e para a bola, como se pedisse uma ajudinha dos céus.

O narrador, o rapper angolano Romeo Guslarime, 30, criado em Camarões, implora com a ajuda de um megafone: "Chuta para fora", provocando a ira dos nigerianos.

Sem chance para o goleiro, o camisa 2 faz um chute certeiro no canto direito. A Nigéria vence por 3 x 1 nos pênaltis, após empate no tempo normal por 3 x 3. Mali é o terceiro colocado ao bater a Guiné por 3 x 1, também nos pênaltis.

"Quando você crê em Deus e em si mesmo tudo dá certo", diz Ifeanyi vibrando com o troféu na mão. Há dois meses no país, ele deu entrada no pedido de refúgio após sofrer perseguição política na Nigéria.

O evento contou com times de 16 países, entre eles Angola, Síria, Paquistão, República Democrática do Congo, Colômbia, Iraque e Mali e um total de 200 refugiados.

A organização foi feita pelos próprios estrangeiros com apoio da instituição humanitária Caritas Arquidiocesana de São Paulo, do Acnur (agência da ONU para refugiados) e de dezenas de voluntários que souberam do torneio pelas redes sociais.

"Quando vimos a união entre os povos com a Copa da Fifa pensamos por que não fazer a nossa Copa?", diz Romeo, que além de narrar o torneio também criou o hino da Copa.

"Eu e você, vamos viver em paz/ briga e guerra, vamos deixar para trás/ refugiados, nós somos capaz (sic)/ discriminação, não pode mais", diz um trecho da música (veja o vídeo abaixo).

Veja vídeo

"Eu canto o que eu vivo e queria que esse hino unisse todas as comunidades de refugiados, não só os africanos, mas também os colombianos, sírios", diz o rapper.

"Podemos ser diferentes na cultura, mas viemos para o Brasil por motivos em comum", completa ele que está há dois anos no país e busca por emprego, o que tem se tornado difícil já que ainda não teve seu pedido de refúgio aprovado.

Conta que deixou a Angola por questões políticas (teve o pai e o irmão assassinados) e tem se sustentando com dificuldades fazendo alguns eventos de rap.

"A Guiné pode ter perdido a Copa dos Refugiados, mas a cada 30 minutos de jogo que tivemos aqui construímos novas memórias", diz o guineano Thierno Sysavane, 24, que ao saber da Copa tratou de unir a seleção da Guiné, que ficou em quarto lugar.

Considerado perseguido político após participar de manifestações reivindicando eleições parlamentares em seu país, ele foi reconhecido como refugiado na última semana após um ano e oito meses vivendo no país.

A Copa dos Refugiados também celebrou o fato do Ministério da Justiça ter aprovado na quarta-feira (30), de uma só vez, 680 solicitações de refúgio -maior que o total em todo o ano de 2013 (649).

Com isso, os refugiados no Brasil chegaram a 6.588 pessoas de mais de 80 nacionalidades -os sírios, que vivem uma guerra civil, e os colombianos, que fogem das ações de narcotraficantes, formam os maiores grupos.


Endereço da página:

Links no texto: