Folha de S. Paulo


Inauguração do teleférico expõe a polêmica das remoções em favelas cariocas

Com 13 meses de atraso, a Prefeitura do Rio inaugurou no dia 2 de julho o teleférico da Providência. Segundo o prefeito Eduardo Paes, um embargo judicial por conta de moradores resistentes às remoções de suas casas foi o motivo de a obra não ter sido entregue em maio do ano passado.

Apesar dos transtornos, o prefeito se mostrou satisfeito com o bondinho que conta com 16 gôndolas que transportam dez pessoas, das quais duas em pé, e leva até mil passageiros por hora em cada sentido. São 721 metros de extensão ligados por três estações, sendo Central do Brasil, Américo Brum, no alto, e Gamboa. O governador Luiz Fernando Pezão participou do ato.

Apesar do empreendimento de mobilidade urbana ser necessário àquela comunidade, nem todos estão contentes. Isto porque o projeto original contemplava um plano inclinado, espécie de elevador que ligaria a estação Américo Brum - que fica a 83 metros acima do nível do mar e 69 metros acima da Central - ao largo da Igreja, ponto mais alto do morro.

Segundo a Cdurp (Companhia de Desenvolvimento Urbano, empresa da prefeitura), em reuniões com a comunidade, realizadas no fim do ano passado, o plano inclinado foi rejeitado. Por esse motivo, saiu do projeto. Embora a autarquia não tenha mencionado, também há moradores que se negaram a deixar suas casas para a implantação do meio.

Fabio Teixeira - 2.jul.2014/Folhapress
Teleférico da Providência, que liga a Praça Américo Brum, no morro da Providência, à Central do Brasil e à Gamboa
Teleférico da Providência, que liga o morro da Providência, à Central do Brasil e à Gamboa

É isto o que afirma o morador Eron Cesar dos Santos, 47. Ele se apresenta como "pessoa de apoio" da Comissão Contra Remoções Involuntárias que representa residentes de várias partes da Providência. O grupo conta com liminar da Defensoria Pública que, segundo ele, dá respaldo aos que não aceitam entregar suas moradias.

"Tenho contato com pelo menos 20 pessoas que considera uma violência ter sua história de vida apagada por conta das remoções involuntárias [pessoas que não querem sair e sofrem pressão]", declarou Santos. Ele não mencionou se a principal reivindicação dos resistentes se dá por motivos financeiros.

A comerciante Vera Lúcia Ferreira, que vende doces em frente ao Largo da Igreja, no ponto mais alto do morro, segundo ela, disse que para chegar àquele local há uma escada com mais de 200 degraus para subir. Passam por ali diariamente crianças, jovens e idosos. Para ela, não faz muito sentido o teleférico ter sua estação em um local abaixo. "Deveria ser aqui", disse.

A aposentada Ondina Santos, 74, mora no largo há 17 anos. Diariamente ela precisa subir e descer a escadaria, e reclama que não há nada próximo à sua casa, como um mercado ou algo assim, com exceção de uma pequena padaria. "Se eles instalassem esse 'elevador' aqui não seria nada mal", falou.

Outro problema que os moradores da Providência enfrentam é antigo ali e em outras comunidades do Rio: o tráfico. Coordenador da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local, o capitão Roberto Valente disse à reportagem que ainda há a atuação de traficantes na região, porém com bem menos força do que outrora.

"Se você for a Paris vais se deparar com o tráfico", disse à Folha, acrescentando que apesar disso, a força dos bandidos foi quebrada e que o direito de ir e vir está preservado. Momentos antes, a reportagem foi alertada por outro policial a ter cuidado em certas vielas.

A UPP da Providência foi a sétima a ser instalada pelo governo do Estado e é, atualmente, uma unidade modelo, segundo Valente. "Para aproximar a polícia da comunidade, temos trabalhos sociais aqui em cima como aulas de música, jiu-jitsu, uma cozinha industrial e apoio do Sesi e da Firjan [Federação das Indústrias]", declarou.

Moradores confirmaram que ainda há tráfico no local, mas bem menos do que há quatro anos, quando a UPP chegou à Providência.

FUNCIONAL E TURÍSTICA

Para o prefeito, o teleférico é funcional e turístico. "É possível ver o Rio em 360 graus. Do bondinho, você enxerga a ponte Rio-Niterói, o relógio da central e o centro da cidade, além de outros pontos importantes", disse.

Quem desce na estação Américo Brum tem a oportunidade de conhecer uma lenda viva do samba. A dona Dodô da Portela mora em frente ao teleférico. Ela recebeu a Folha e se mostrou muita lúcida, bem humorada e ainda ligada ao carnaval. Posou com o estandarte da Portela, escola onde começou a desfilar aos 14 anos.

"Se eu fosse aproveitadora, tinha enriquecido em cima da escola, pois a Portela até hoje me dá total atenção e vez por outra me procura para saber se preciso de algo", disse, acrescentando que além de não abusar da agremiação, continua caminhando com a força das próprias pernas. "Quando preciso sair de casa, pego a Kombi aqui em cima, desço, faço o que preciso e volto do mesmo jeito", falou.

De acordo com o prefeito Eduardo Paes, no prazo de dois anos a comunidade também será servida por outros meios, como o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que ligará a região do porto ao centro, e o BRT Transbrasil, que vai sair da avenida homônima, passar na Gamboa e fazer integração com o trem e metrô na Central.

Estas obras, bem como o prazo, estão ligadas à Olimpíada de 2016, segundo Paes.


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