Folha de S. Paulo


'Sou grato pela vida', escreveu Rubem Alves em carta inédita

Nem com formalidades ou tristeza, mas com poesia. Era isso que Rubem Alves solicitava como fosse feito o seu próprio velório, em uma carta escrita em 2005 para os filhos.

O documento, inédito, foi divulgado pelo antropólogo e amigo do escritor há mais de 50 anos Carlos Rodrigues Brandão, durante o velório na Câmara Municipal de Campinas (a 93km de São Paulo), na noite deste sábado (19). Na carta, há também o pedido da leitura do poema "Elegia", de Cecília Meirelles, e outros, de Fernando Pessoa, Manoel Bandeira e Vinicius de Moraes.

Em entrevista à Folha, Raquel Alves, filha caçula do educador, afirmou que o pai sempre refletiu sobre o dia em que viria a morrer. "Ele sempre pensou na morte como uma forma de entender a vida. A gente usufrui melhor da vida quando a gente tem consciência da morte", disse.

"Ele sempre falou que nada na vida ele planejou, tudo foi acontecendo. Mas a morte ele planejou, e a gente está fazendo da forma como ele queria", completou Raquel, emocionada.

Nos últimos dias, o estado de saúde debilitado preocupava o escritor. Durante uma conversa com Rubem Alves, há cerca de um mês, o amigo Brandão ouviu um depoimento sincero. "Ele disse: 'eu sempre tive medo da morte, agora eu tenho medo que ela demore muito'", afirmou o antropólogo.

O corpo de Rubem Alves chegou por volta de 21h40 no plenário da Câmara. Cerca de 150 pessoas, entre parentes, fãs e amigos puderam se despedir do escritor. Rubem Alves morreu às 11h50 deste sábado (19), aos 80 anos, por falência múltipla dos órgãos.

O escritor estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Centro Médico desde o dia 10 de julho, com um quadro de pneumonia. Nos últimos dias, o estado de saúde dele piorou, comprometendo outros órgãos, além do pulmão.

Colunista da Folha em três períodos, Rubem Alves nasceu em 15 de setembro de 1933 em Boa Esperança, no sul de Minas. Morava em Campinas havia décadas. Professor emérito da Unicamp, foi autor de mais de 160 títulos. Casado há 52 anos com Lidia Nopper, deixou três filhos – Raquel, Sérgio e Marcos – e sete netos.

O velório na Câmara Municipal de Campinas deve seguir até a meia-noite. A cerimônia recomeça neste domingo (20), das 7h até as 12h. Depois, o corpo será levado para Guarulhos, onde será cremado em uma cerimômia reservada à família.

Seguindo o pedido de Rubem na carta aos filhos, as cinzas devem ser despejadas em uma cerimônia posterior, aos pés de um ipê amarelo, provavelmente na Fazenda Santa Elisa, em Campinas.

Leia os trechos da carta inédita de Rubem Alves:

"Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi Muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia."

"Não tenho medo da morte, embora tenha medo do morrer. O morrer pode ser doloroso e humilhante, mas à morte, eis uma pergunta. Voltarei para o lugar onde estive sempre, antes de nascer, antes do Big Bang? Durante esses bilhões de anos, não sofri e não fiquei aflito para que o tempo passasse. Voltarei para lá até nascer de novo."

Maria do Carmo/Folhapress
O escritor Rubem Alves em sua casa em Campinas, em retrato feito em 2005
O escritor Rubem Alves em sua casa em Campinas, em retrato feito em 2005

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