Folha de S. Paulo


Seca faz cidade cancelar rafting e boia-cross no interior paulista

Antes de os hóspedes acordarem, Nilson Júnior remove com uma peneira de piscina os peixes que emergem mortos nas 21 lagoas dos hotéis-fazenda Campo dos Sonhos e Parque dos Sonhos, na serra da Mantiqueira.

"São dez quilos todos os dias. Instalamos mais aeradores, mas as nascentes estão fracas, não renovam a água dos lagos", diz o gerente de manutenção, um dos 150 funcionários do complexo, localizado em Socorro (a 134 km de São Paulo).

O município integra o Circuito das Águas (polo turístico no norte paulista) e é um dos que tiveram seu turismo impactado pela forte seca que atinge reservatórios em todo o Estado, impondo riscos ao fornecimento de água e de energia de várias regiões.

Na estância de Socorro, a estiagem, considerada a pior dos últimos 80 anos, revelou o fundo do rio dos Peixes, principal curso d'água local.

O Parque dos Sonhos teve de suspender algumas atividades aquáticas. "Vim fazer boia-cross, mas disseram que foi cancelado porque o rio está muito baixo", lamenta a hóspede Gabriela Pereira, 14.

Para os empresários que dependem das atrações molhadas, o cenário é desastroso. "Tive de cancelar 700 das 1.000 reservas de rafting que tinha para estas férias. Não podia mentir para os clientes", afirma Rogério Bazani, dono de uma agência local.

Ele foi obrigado a adaptar pacotes para atrair turistas. "Estamos fazendo o 'rafting família'. Há tão pouca água que em alguns trechos viramos o bote para as crianças brincarem de escorrega".

Há 17 anos no ramo, Bazani fixou uma régua dentro do rio. "Trabalhamos quando a profundidade está entre 1,40 m e 1,80 m", dizia ele, enquanto apontava a marca na sexta (18) –menos de 50 cm.

Cuca Jorge/Divulgação/Joel Silva/ Folhapress
Cachoeira em hotel na Serra da Mantiqueira em 2013 (em cima) e atualmente, atingida por seca
Cachoeira em hotel na Serra da Mantiqueira em 2013 (em cima) e atualmente, atingida por seca

CANTAREIRA E TIETÊ

A falta d'água também abateu municípios às margens do sistema Cantareira, cujo nível cai em ritmo acelerado desde o início do ano. Na sexta, sua capacidade era de 17,5%.

Sede da maior represa do sistema –a Jaguari-Jacareí, vazia desde junho–, a estância turística de Joanópolis (a 112 km da capital) vê o movimento de visitantes decair sem o lazer das águas.

"Já não há mais passeios de caiaque, lancha nem pescaria. Proprietários de pousadas e de sítios estão desanimados, tentando vender os terrenos", diz a agrônoma Raquel Fabri, 58.

Morando em São Paulo, ela mantém uma casa em Joanópolis, mas reduziu a frequência das visitas.

"Onde havia água, hoje tem mato, gado pastando. Eu ainda gosto da vista, da paz, mas o poço do meu sítio secou também. Preciso chamar caminhão-pipa quando viajo à cidade", afirma.

Mais a oeste, no município de Salto (a 101 km de São Paulo), a atração turística que dá nome à cidade praticamente secou. A cachoeira do Ytu-Guassu, considerada uma das maiores quedas d'água do rio Tietê, se escondeu sob as rochas que costumava cobrir de água e espuma.

Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Cachoeira que dá nome à cidade de Salto (interior de SP) em 2003 (à esq.) e hoje, atingida por seca
Cachoeira que dá nome à cidade de Salto (interior de SP) em 2003 (à esq.) e hoje, atingida por seca

"Os turistas ficam meio decepcionados. Também fica esse cheiro de água meio paradona, sabe?", queixa-se Sueli Conral, 68, proprietária de um restaurante próximo à corredeira.

Para restabelecer a cachoeira, ela diz que os saltenses torcem para que aconteça uma "maldade", explicada pela hidrologia do Tietê, que corre da capital para o interior. "Quando a cidade de São Paulo inunda, a queda d'água fica uma beleza!"

Em nota, a Secretaria de Turismo do Estado diz que nenhum município a procurou para relatar impactos negativos no número de visitantes.

A pasta informou que repassa um montante de R$ 300 milhões anualmente para as 67 estâncias do Estado fazerem obras de infraestrutura –uma média de R$ 4,5 milhões ao ano, por cidade.


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