Folha de S. Paulo


No rastro da Copa, São Paulo e Rio têm torneios de futebol de rua

O goleiro argentino Nehuen Helguero, 19, balança a cabeça, e a também portenha Lucia Napoli, 17, ergue a mão para opinar. Para eles, os adversários paraguaios descumpriram um acerto, definido minutos antes, de evitar choques físicos nas bolas divididas.

Em campo, homens e mulheres se misturam, combinam as regras a cada partida e, no final, fazem uma autoavaliação coletiva para contar os pontos. Nem sempre quem marca mais gols é vencedor.

Funciona assim no Mundial de Futebol de Rua, que roubou a atenção de pedestres que passavam na tarde desta segunda (7) pelo largo da Batata, em Pinheiros.

O campeonato organizado por ONGs vai até sábado (12), com 20 países e cerca de 300 jogadores —incluindo desde jovens carentes, atendidos por movimentos sociais, até estudantes universitários.
A final será em uma arena em plena av. Ipiranga (centro).

"A quadra poderia ficar aqui para sempre. O esporte tira a meninada do caminho errado", dizia Ivone Conrado, 38, faxineira e moradora da região, que foi prestigiar a partida na arquibancada montada no largo da Batata.
A metodologia do "futebol de rua", que também acompanhou as Copas da Alemanha, em 2006, e da África do Sul, em 2010, levou uma cara diferente ao esporte.

Na prática, há três tempos. No primeiro, sem cronômetro, as equipes definem o que pode e o que não pode.

Nesse Paraguai x Argentina do largo da Batata, podia haver troca de reservas livremente —e gol de mulher valia um ponto a mais.

No segundo tempo, vem a partida propriamente dita. Sem juízes. Só os mediadores acompanham de longe.

O momento final é a hora da tal autoavaliação coletiva. Se os jogadores não respeitarem as regras, cooperarem entre si e demonstrarem solidariedade com o adversário, podem perder pontos.

Ontem (7/7), a partida terminou 5 a 3. O Paraguai concordou em perder o ponto por desobediência ao acordo de evitar choques físicos.

"Numa partida da Fifa, quando o time perde, vai para casa frustrado. Aqui, no fim, eles se avaliam e tudo se altera", diz o mediador chileno Sebastian Gajardo, 22, que faz esse trabalho desde 2008. "Esse é o tipo de futebol que pode mudar o mundo."

Há jovens de diversas origens. Do universitário Carrizosa à israelense Maya Shimrich, 21, recém-saída do Exército, a seu amigo árabe, Ryan Gerhard, 18. "Essa maneira de jogar está sendo um aprendizado para mim", diz ele.

Também foi um aprendizado há 20 anos quando Fabián Ferraro, 43, começou a organizar partidas entre gangues rivais na comunidade de Chaco Chico, em Buenos Aires.

Desde então, a metodologia que visava mediar conflitos se espalhou –por países que vão de Serra Leoa a Filipinas, Israel e Alemanha.

O evento deste ano tem suporte de empresas e órgãos públicos, incluindo prefeitura e Tribunal de Justiça.

ESPERANÇA

Mais oficial que o campeonato em São Paulo, o Footboll for Hope (Futebol para a Esperança) reúne 200 jovens de 27 países desde segunda (7) numa espécie de "Copa Social". É organizado pela própria Fifa, em uma vila olímpica no complexo de favelas do Caju, no Rio.

Debaixo de um sol de 30°C, Shegofa Hassani, 17, se prepara para entrar em campo e defender seu país, a Austrália. Muçulmana, usa o hijab, véu islâmico que cobre cabelos e colo, mas não o rosto.
Sob o uniforme amarelo, braços e pernas também estão cobertos.

"Eu me sinto mais à vontade assim [com o corpo coberto], não sinto calor. Além do mais, me protejo do sol", diz a jovem, jogadora há sete anos. Ela participa dos programas da Football United, ONG australiana que usa o esporte para integrar refugiados e migrantes à cultura do país.

O Football for Hope reúne adolescentes para jogar futebol e trocar experiências sobre suas culturas. Nas partidas não há juiz, para que os próprios jovens resolvam suas divergências.

Curiosos eram os olhares em direção ao Peace Team (Time da Paz). Organizada por entidades de Israel e da Palestina, a equipe tem três jogadores israelenses e três palestinos, de 15 a 17 anos –faixa etária dos três jovens israelenses e um palestino mortos há uma semana na Cisjordânia e em Jerusalém.

No desfile das delegações, israelenses e palestinos entraram juntos, de mãos dadas, com as duas bandeiras lado a lado.


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