Folha de S. Paulo


'Transporte grátis não faz sentido', diz especialista

"Não faz sentido o dinheiro público subsidiar transporte público ao cidadão que pode pagar", diz o português José Viegas, secretário-geral da maior entidade intergovernamental de transportes do mundo, a ITF (International Transport Forum).

Para ele, todo mundo deve desembolsar algum valor de passagem. "Pobre pode ser mais subsidiado por ser pobre, não por ser estudante ou idoso." Na cidade de São Paulo, quem tem 60 anos ou mais não paga.

Alan Marques/Folhapress
José Viegas, secretário-geral do ITF, concede entrevista
José Viegas, secretário-geral do ITF, concede entrevista

Estudantes têm desconto de metade do valor.

O diretor, que deseja a entrada do Brasil na entidade, também critica o rodízio de veículos e comenta os protestos no país em junho de 2013. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

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Folha - Em junho do ano passado, protestos começaram por causa dos transportes. Por que foram o catalisador do movimento por melhores serviços públicos no país?

José Viegas - Parte importante da população depende do transporte público, que, havia algum tempo, não tinha reajuste segundo a inflação.

O aumento foi significativo, mas não enorme [de R$ 3 para R$ 3,20, revertido após os protestos]. Mas o transporte público é um denominador comum a muita gente que, por um motivo ou por outro, sentiu que a vida estava ficando mais dura, mais brava, não correspondendo às suas expectativas, e ali tem o rastilho oportuno.

O sistema brasileiro é quase todo privado e pouco subsidiado, diferente de outros países. Qual a consequência?

Em boa parte dos países europeus, o sistema já não é público. Geralmente, tem autoridade pública de planejamento e, em muitos casos, os operadores são privados.

Mesmo o nível de subsídio está baixando. Há realidades muito variadas porque as finanças das áreas metropolitanas têm estado muito apertadas. Em Portugal, o governo aumentou o preço dos transportes públicos, mas introduziu benefício à população mais pobre. Não faz sentido o dinheiro público subsidiar transporte público ao cidadão que pode pagar.

Por quê?

Se não pago, alguém paga. Devemos pagar o preço que custa, com a ressalva de que pessoas com menos posses recebam subsídio. O bilhete delas tem de ser mais barato.

Passe livre, portanto, não é uma saída na sua opinião?

Por princípio, acho mau. Mesmo para quem é muito carente, transporte grátis não faz sentido. Ele tem custos. Defendo preços verdadeiros. Pobre pode ser mais subsidiado por ser pobre, não por ser estudante ou idoso.

Qual a sua opinião sobre o rodízio de veículos?

Rodízio é um sistema que não faz sentido. O pessoal com um pouco mais de dinheiro ao fim de algum tempo limita-se a não trocar o carro velho e comprar um com placa diferente. É um sistema que, como emergência, faz sentido -Paris tem isso nos dias de pico de poluição. Como medida de fundo, não faz.

O que fazer, então?

O mais habitual é o pagamento. No limite da sofisticação, você pode fazer como Cingapura, em que os preços já variam a cada 15 minutos. É como se fosse um taxímetro no seu carro e o valor da tarifa por 100 metros vai variando.

Os sensores medem o nível do congestionamento e, quando aumenta [o congestionamento], o preço aumenta. O que aconteceu? Desapareceu o congestionamento em Cingapura. Com a eletrônica, você pode ter sistemas de preços muito dinâmicos.

É possível fazer melhor com a infraestrutura existente?

Sim. O objetivo do sistema de transporte urbano não deve ser a velocidade. As três características fundamentais são: dar acesso qualificado de todas as pessoas aos destinos pertinentes, com segurança e qualidade do ar.

Deve-se organizar os sistemas para que uma parte importante das viagens possa ser feita a pé, bicicleta. De seguida, você tem que ver a provisão de transporte público que deveria fazer e depois vai ver, com o que tem, quanto sobra pro automóvel. Não o contrário: fazer para o automóvel e ver quanto sobra para o transporte coletivo.

Parece que o futuro do transporte vai depender muito mais de decisões de políticas públicas do que de fazer estradas -no Brasil, há uma expressão que diz que governar é construir estradas...

Não é. Já era. Estão ocorrendo duas coisas ao mesmo tempo: a reformulação das prioridades e o recurso às tecnologias de informação e comunicação para aumentar a eficiência do sistema.


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