Folha de S. Paulo


Candidata a patrimônio mundial, vila tenta resistir ao abandono

De uma passarela que leva à parte alta da vila ferroviária de Paranapiacaba, no ABC paulista, moradores observam o que restou do Estrela.

Assim era chamado um trem feito na Inglaterra em 1937 e que passou anos parado em cima dos trilhos. Com o tempo, perdeu brilho e ficou envolto em ferrugem nesse distrito da zona rural de Santo André.

Agora, o Estrela deve sair da paisagem local. Restará apenas o motor, o coração do antigo trem de 1937, que deve ganhar um memorial.

Nova candidata a patrimônio mundial, em avaliação ser feita neste mês por um comitê ligado à Unesco, a Vila de Paranapiacaba se divide entre o cenário de abandono e ações de resistência de alguns moradores.

Foram eles que impediram que o coração do Estrela, último sobrevivente de um grupo de trens, fosse ao lixo.

Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Vagões de trens abandonados sobre os trilhos na Vila de Paranapiacaba, que é candidata a tombamento pela Unesco
Vagões de trens abandonados na Vila de Paranapiacaba, que pode ser tombada pela Unesco

O pedido foi feito ao Ministério Público Federal, assim que souberam que os trens virariam sucata. "O que é lixo para alguns, para nós é a história", afirma o presidente da associação de monitores locais, Eduardo Pin.

A MRS Logística, empresa responsável pelo pátio ferroviário desde 1997, fechou acordo: além do memorial, serão recuperados duas locomotivas e outros três vagões deteriorados no pátio.

Há ainda 17 vagões, como os do Estrela, seis carros de passageiros e dois veículos de serviço que não resistiram à ação do tempo e devem ser cortados em pedaços (para serem removidos do local).

Do lado da estrada de terra que leva à Paranapiacaba, entulhos mostram que a despedida deles já começou.

Segundo o procurador Steven Zwicker, a autorização para o descarte ocorreu após avaliação técnica: foram considerados irrecuperáveis.

Atrás de uma tela de metal, é possível vê-los tomados por ferrugem e vegetação. Também atraíam ratos e mosquitos, com risco à saúde pública, diz o procurador —-que lembra que os trens não eram tombados como patrimônio histórico, mas conhecidos da população e turistas.

Dona de um bar frente ao pátio da ferrovia, Zilda Bergamini, 63, virou uma espécie de vigia do Estrela. Lamenta que ele tenha se "apagado" em meio ao abandono, mas diz que a despedida era uma "necessidade".

"Cheguei a andar no trem. Foi importante para Paranapiacaba, mas condenado a morrer na ferrugem. Eu gritava todo dia para crianças não irem ali", diz Zilda, que torce pela recuperação da vila.

Em setembro, Paranapiacaba foi incluída no PAC Cidades Históricas –o qual deve destinar R$ 42,4 milhões para revitalização local.

A expectativa é que a vila volte a ser como em 1860, na época da São Paulo Railway Company –o que também causa polêmica por lá.

À ESPERA DE CUIDADO

Até lá, moradores lembram do passado a cada apito dos trens de carga que cortam a serra do Mar. Perto deles, outro espaço aguarda restauro: o Museu do Funicular.

Em um dos galpões centenários, estão trens históricos, como um vagão que era usado por D. Pedro 2º, em 1879, e uma das primeiras locomotivas da ferrovia, de 1862.

"Está muito abandonado. Cada vez que vou lá, saio chorando", diz Zélia Paralego, 62, que cresceu na vila.

Para resolver o problema, a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, que deve ganhar a cessão da área neste ano, planeja arrecadar recursos e recuperar galpões, máquina e locomotivas.

Além de recuperar os trens, o diretor de patrimônio histórico da ABPF-SP, Carlos Alberto Rollo, tem outro sonho: fazer a máquina funicular e uma das primeiras locomotivas da ferrovia funcionarem para turismo. "Se conseguirmos, trago até a rainha da Inglaterra para ver", brinca.


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