Folha de S. Paulo


'É minha mãe sim', diz garota adotada

"Ela veio me ver e fomos ao shopping. A gente brincou tanto que eu me senti da família. No final, eu perguntei se ia voltar para me buscar e ela disse que sim."

É assim que Evelin, 10, descreve o primeiro encontro com a mãe, Aurea Medrado, 46, e a irmã, Mariana, 15.

Um mês depois, a menina, com 4 anos, partia do interior para São Paulo, com uma malinha e uma boneca Mônica. "Ela prometeu. E eu confiei", conta Evelin.

Aurea e o marido, ainda casados na época, fizeram uma adoção tardia (quando a criança já não é mais bebê), inter-racial (a filha é negra; Aurea, branca) e compartilhada: Evelin tem dois irmãos, com os quais mantém contato frequente, adotados por dois casais.

Alessandro Shinoda/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 22 - 05 - 2014, 19:45. A arquiteta Aurea Medrado, 46, e suas filhas Mariana Medrado, 15 e Evelin Medrado, 10.
A arquiteta Aurea Medrado, 46, e suas filhas Mariana Medrado, 15 e Evelin Medrado, 10

Mas nada com que a família não soubesse lidar. "Teve um dia no mercado em que um senhor ficou olhando para mim e minha mãe. Aí eu falei: Você tá estranhando, né? Ela é minha mãe, sim", conta Evelin, rindo.

A resposta foi um pedido de desculpas, seguido de um "É que sou do interior". Ao que a menina emendou, agora segundo a mãe: "Eu também sou, de onde você é? No seu interior não tem adoção?"

Para Aurea, a espera pela adoção poderia ser resolvida se os pretendentes buscassem menos um perfil idealizado de filho.

"Hoje os candidatos descrevem como é a criança desejada por eles", afirma. "O foco poderia ser invertido: será que posso ser útil para a criança que existe?"

Segundo ela, a adoção tardia traz o mito de que a criança estaria "marcada" por traumas –o que ela contesta.

"O ser humano reescreve sua história diversas vezes ao longo da vida. Nenhuma criança vai começar do zero."

NOVA CHANCE

Aos seis anos, Elisa (nome fictício) mudou sua história após ser adotada por Márcia de Paula, 44, e Ailson Katsumata, 56, há um ano.

"Existem ideias preconcebidas. Não dá para dizer que não gerou insegurança. Mas, depois que a conheci, vi que não tinha nenhuma razão de ser", conta Márcia.

Já o casal Fábia Simões, 39, e Renata Longui, 35, estava decidido: ao preencher o cadastro, não inseriram restrições de cor nem de gênero.

Também aceitavam adotar irmãos de até dez anos.

Passaram-se nove meses até a chegada de Carlos Henrique, 8, que é negro, e Giovana, 7, branca, ambos irmãos biológicos e havia quatro anos em um abrigo.

O longo tempo de espera fez com que o juiz escrevesse na sentença que "a vida deu uma nova chance" para os dois terem uma família.

"Parece que eles sempre foram nossos", afirma Renata.


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