Folha de S. Paulo


Clubes negros do final do século XIX entram em processo de tombamento

Três clubes sociais, criados como locais de resistência ao preconceito e também como espaço de lazer e interação entre negros, datados do final do século 19 até o começo do século 20, começaram o processo para serem tombados pelo patrimônio histórico do Estado de São Paulo.

O reconhecimento da importância histórica deve acontecer nos clubes Grêmio Recreativo Familiar Flor de Maio (1928), de São Carlos, Sociedade Beneficente 13 de Maio (1901), de Piracicaba, e Clube Beneficente Cultural e Recreativo 28 de Setembro (1897), de Jundiaí, no interior de São Paulo.

Além de serem criados como pontos de entretenimento, uma vez que, na época, os negros eram impedidos de entrar nos locais convencionais de lazer, os clubes serviam como apoio à comunidade afrodescendente, para auxílio funerário, de saúde e até para arrecadação de fundos para garantir alforrias.

Divulgação/Centro de Memória de Jundiaí

Ana Lúcia Lanna, presidente do Condephaat (conselho estadual do patrimônio), elogiou o relatório que pediu o tombamento e afirmou que o documento "levanta a discussão sobre o significado do patrimônio".

"É preciso romper com a ideia de que apenas monumentos podem ser tombados e reconhecer também as práticas sociais, culturais e políticas", diz Lanna.

Professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (MS), Márcio Mucedula Aguiar estudou com profundidade e colheu relatos sobre o clube negro de São Carlos (232 km de São Paulo).

"O lugar merece o tombamento por sua relevância histórica. Foi a primeira manifestação organizada da população negra da região, que almejava um espaço de lazer e de socialização."

DIREITOS
De acordo com Aguiar, que é doutor em ciências sociais pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), o local "é patrimônio que mostra a resistência, poucos anos após a abolição, ao preconceito e a luta por direitos".

Parte do material usado no "Flor de Maio" é de demolição de antigas casas da cidade. Os próprios idealizadores do clube ergueram suas paredes em horários de folga.

No parecer que defende o tombamento, aprovado por unanimidade, Heitor Frúgoli Júnior, do Departamento de Antropologia da USP, afirma que o processo "auxilia potencialmente" os clubes.

Segundo o texto, o tombamento pode atrair "gerações mais jovens nas lutas coletivas afrodescendentes pela expansão de seus direitos na realidade contemporânea".

SÓCIOS
Um dos mais antigos clubes negros do país, o 28 de Setembro, de Jundiaí, na Grande São Paulo, é um dos poucos do Estado que ainda consegue manter as atividades e as portas abertas.

"Não é fácil, perdemos muitos sócios nos últimos anos, mas seguimos em frente com bailes para a terceira idade e eventos para a comunidade black. Até hoje, conseguimos reunir os negros, mas o clube é aberto a todos", conta o presidente Edval Francisco Honório.


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