Folha de S. Paulo


Família de mulher linchada em Guarujá temia boatos sobre 'bruxa'

Uma família de Guarujá vivia angustiada nas últimas semanas com boatos sobre uma sequestradora de crianças à solta na periferia da cidade do litoral paulista.

O medo naquela casa do bairro de Morrinhos era que a criminosa se aproximasse de Fabiane Maria de Jesus, 33, casada e mãe de duas filhas.

"Se ela chegasse na minha irmã, tomava as crianças dela. Porque a Fabiane é assim: se alguém começa a conversar com ela no ônibus, ela já conta a vida inteira."

O desabafo, com os verbos no presente, é de Leidiane, 31, irmã mais nova de Fabiane, linchada na semana passada por moradores de Morrinhos após ser confundida com a tal sequestradora que nunca agiu no município.

O que se soube após a morte de Fabiane é que tudo não passava de um boato. Um retrato falado feito em 2012 pela polícia do Rio foi divulgado em uma página na internet voltada à população de Guarujá e a falsa informação levou pânico aos moradores.

Marcos Alves/Agência O Globo
O marido de Fabiane Maria de Jesus, Jaílton, com as duas filhas do casal, Yasmin e Esther
O marido de Fabiane Maria de Jesus, Jaílton, com as duas filhas do casal, Yasmin e Esther

Na família de Fabiane, por exemplo, apenas ela não dava muita atenção à história da "bruxa" que levava crianças para rituais macabros.

A mãe, Raimunda Maria de Jesus, 50, conta que chegou a alertar a filha, mas Fabiane não acreditou na conversa.

"Ela me disse: 'Isso é coisa do satânico. Isso é mentira'."

A opinião de Fabiane, porém, era minoria em casa e também em Morrinhos.

Na tarde de sábado, dia 3, ela foi cercada e atacada por uma multidão.

Ao longo de pelo menos duas horas, nas ruas de terra e nas palafitas do bairro, foi arrastada, levou chutes e pauladas e foi jogada ao chão.

Internada em estado crítico após as agressões, morreu às 6h40 de segunda-feira.

O linchamento foi registrado em fotos e vídeos gravados com celulares, o que já permitiu à polícia prender suspeitos de agredir Fabiane -mãe das meninas Yasmin, 12, e Esther Nicolly, 1.

Diógenes Campanha/Folhapress
Bilhete da dona de casa, um dia antes do ataque
Bilhete da dona de casa, um dia antes do ataque

DIA DAS MÃES

Na véspera do crime, Yasmin aproveitou o feriado prolongado para desenhar. Fez uma flor colorida, um dos temas preferidos de Fabiane, e um cartão de Dia das Mães.

Ao receber o presente com nove dias de antecedência, a dona de casa aproveitou um espaço em branco no pedaço de papel para responder.

"Eu sempre te amei e nunca deixarei você por nada, princesa. Te amo. Fabi, sua mãe", escreveu.

Há 12 anos, após o nascimento de Yasmin, Fabiane passou três meses internada com depressão pós-parto.

Diagnosticada em seguida com transtorno bipolar, tomava diariamente três medicamentos e, quando tinha crises, não reconhecia as pessoas e falava coisas desconexas, como dizer que tinha R$ 1 milhão guardado.

Durante os surtos, a família tentava evitar que ela saísse. No dia em que ganhou o cartão, escondeu as chaves da casa, devolveu-as mais tarde a uma sobrinha, mas guardou uma reserva para abrir o portão na manhã seguinte, dia em que foi atacada.

Yasmin estava dormindo e não viu a mãe sair. À tarde, soube que estavam compartilhando fotos no Facebook de uma mulher loira que havia apanhado em Morrinhos.

Viu a foto e achou que pudesse ser a mãe. Mas ficou em dúvida, já que Fabiane havia tingido os cabelos de ruivo.

Foi então que ela achou um frasco de descolorante vazio no armário. "Mostrei para todo mundo e aí caiu a ficha."


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