Folha de S. Paulo


Para Alckmin, racionamento pode desperdiçar água ao invés de poupar

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou ontem que um eventual racionamento de água em São Paulo poderia desperdiçar reservas em vez de poupar.

"Poderíamos ter problemas, pois quando se zera a água de um sistema, quando [o abastecimento] volta, pode haver perda de água", disse Alckmin em visita a Conchas (a 179 km de São Paulo).

Ele também defendeu a redução na pressão da água distribuída durante a madrugada, adotada pela Sabesp há cerca de um mês para algumas regiões da Grande São Paulo, e disse que não teria "problema nenhum" em implantar um racionamento.

"Se os técnicos chegassem à conclusão de que era preciso fazer o racionamento, já tínhamos feito", afirmou.

Até o último dia 9, quando a Folha revelou que um relatório recente da Sabesp admitia a chance de implantar um rodízio em São Paulo ainda neste ano, tanto a empresa como Alckmin, que será candidato à reeleição em outubro, afastavam essa possibilidade.

A mudança no discurso do governador ocorre em meio ao agravamento da crise no Cantareira –o principal fornecedor de água da região metropolitana, que ontem registrou novo recorde negativo, com 11,9% de sua capacidade– e a uma investigação do Ministério Público, aberta há duas semanas, para apurar se houve má gestão de recursos hídricos por parte do Estado.

Para a professora de engenharia Roberta Rodrigues, da Universidade Anhembi Morumbi, um racionamento só poderá causar desperdício se "o estado da rede distribuidora da Sabesp for muito precário". "No rodízio, é possível regular a pressão para evitar a perda de água", diz.

Recentemente, a Folha mostrou que, em caso de racionamento, a maioria da população ficaria no mínimo dois dias seguidos sem água para cada dia de abastecimento. Em razão da topografia, regiões mais altas e periféricas poderiam ficar com as torneiras secas por até cinco dias consecutivos.

SOBRETAXA

Ontem, Alckmin também defendeu a ideia de cobrar 30% mais na conta de água de clientes da Sabesp na Grande São Paulo que excederem em 20% seu consumo médio.

O governador afirma que a medida é educativa e deve entrar em vigor em maio. "Nós não queremos arrecadar nada. Queremos é que não haja desperdício", disse Alckmin em visita a Botucatu (a 238 km da capital paulista).

Segundo o governo, a medida tem respaldo num decreto nº 7.217, da lei federal de saneamento básico, o qual permite ao "ente regulador (...) adotar mecanismos tarifários de contingência".

O decreto determina, porém, que tais tarifas só podem ser aplicadas no caso de uma "situação crítica de escassez (...) de recursos hídricos que obrigue à adoção de racionamento, declarada pela autoridade gestora", o que não é o caso neste momento, em que Sabesp e governo negam haver racionamento na região metropolitana.

Além dessa condição, a tarifa precisa ser aprovada pelo "ente regulador", que, no Estado de São Paulo corresponde à Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia). Em nota, a agência diz que "não foi consultada pela Sabesp quanto ao assunto" e que, até a noite de ontem, também "não recebeu nenhuma solicitação oficial do governo do Estado" para analisar a adoção da sobretaxa.

'ABUSIVO'

Além disso, especialistas em direito do consumidor consideram que a sobretaxa na conta de água equivale a uma espécie de "multa" e é irregular.

"Você pode estimular o sujeito a consumir menos. Agora, atribuir uma sanção nesses patamares tem nítido contorno abusivo", afirma Brunno Giancoli, professor de direito do consumidor da Universidade Mackenzie.

Para Marco Antonio Araujo Jr., presidente da comissão de direito do consumidor da OAB-SP, o decreto não está acima do Código de Defesa do Consumidor, para o qual essa cobrança é "abusiva".

"Falta uma lei que defina a regra e a exceção. Um imóvel recém-ocupado ou uma família que ganhe um bebê terão um gasto maior de água, e isso não pode ser confundido com desperdício", diz.

Alckmin diz que casos específicos poderão ser revistos pela Sabesp. Procurada ontem por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa não respondeu os questionamentos da reportagem.


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