Folha de S. Paulo


Irregulares, prédios de até cinco andares surgem em Paraisópolis

Quem atende é a empregada, porque Antonio Alves, 44, não está em casa. Casa não. É quase um prédio inteiro. "Liga depois", ela diz, e fecha o portão de ferro.

São 400 m² em cinco andares de construção –duas salas, de jantar e de TV, cinco suítes, cozinha, escritório e terraço gourmet com churrasqueira.

Tudo isso em Paraisópolis (zona sul de São Paulo), a segunda maior favela da cidade, onde vivem 70 mil pessoas, segundo a prefeitura.

A casa/prédio de Antonio, toda verde e com textura decorativa nas paredes, é a maior de uma ruela cheia de sobrados grudados uns nos outros, na entrada da favela.

Sem espaço, Paraisópolis não cresce mais para os lados, cresce para cima.

Antonio foi pedreiro a vida toda. De certa forma, ainda é. Não bota mais a mão no cimento, mas compra. Agora é quem manda, dono de uma pequena construtora.

Peão de obra nos anos 1990, quando chegou da pequena Castelo, no interior do Piauí, ele ajudou a erguer estações do metrô e prédios de classe média da capital.

Hoje, sua empresa, subcontratada de uma empreiteira de alto padrão, constrói boa parte de casarões nos Jardins, em Alphaville e em bairros nobres de Campinas. Só não faz o acabamento.

Antonio emprega 110 funcionários, 90% deles moradores de Paraisópolis, onde vive desde o ano 2000.

A primeira casa da família era um barraco de dois cômodos que custou R$ 6.000. Reformaram, aumentaram três andares e alugaram o imóvel.

Depois veio a casa grande, que levou um ano para ficar pronta e onde moram sete pessoas."Usei minha experiência nas obras, conheço muitos engenheiros. A estrutura é bem funda,
aguenta tudo."

Um recibo de compra e venda é o documento que garante que a propriedade de Antonio é mesmo dele. Como a maioria na favela, ele não paga IPTU porque a prefeitura não cobra.

Casas assim, sem planta aprovada pelo poder público, são consideradas irregulares e os moradores podem ser multados por construí-las.

E por que o ex-pedreiro e agora empresário ainda vive em um imóvel irregular dentro de uma favela? "Porque aqui conheço todo mundo, me sinto seguro. Se eu tivesse a mesma casa no Morumbi, talvez já tivesse sido assaltado", responde Antonio.

CONSTRUÇÃO

A falta de espaço dita como funciona o mercado imobiliário da favela: constrói-se um sobrado e aluga-se o térreo para um comerciante. As famílias moram em cima.

É o caso da doméstica Maria da Conceição Brito, 44. Ela cobra R$ 1.200 de dois salões de cabeleireiro e mora nos três pisos de cima: tem TV a cabo, lustres, filtro de água elétrico, geladeira de inox e quadros pendurados nas paredes rebocadas e pintadas de roxo.

"Não tem espaço para os lados, então vamos subindo a casa até onde dá", diz ela, que vive com marido, dois netos e três filhos.

Quem fez a casa de Maria foi o vizinho, o pedreiro Valter Rugenes, 58, na favela desde 1974. "Só construo em cima se foi eu quem fez embaixo. Assim sei que é seguro", diz. Ele levantou a própria casa de quatro andares.

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DIFICULDADE

"Edifício mas eu consegui!", anuncia a pintura de um "predinho" no centro de Paraisópolis. "O nome é um trocadilho que o dono fez, porque foi difícil para construir, entendeu?", diz Lucileide Nobre, 40, que paga R$ 1.900 para ter uma pizzaria no térreo do prédio de cinco andares.

Sem engenheiros ou arquitetos, o edifício foi erguido ao longo da década passada por um pedreiro da favela.

"Com assessoria técnica seria melhor, mas as pessoas fazem sua casa do jeito que dá, no mundo inteiro. A cultura do 'predinho' é milenar. É sabedoria popular", diz Alexandre Delijaicov, professor de arquitetura da USP.

Para ele, há sempre o risco de desabamentos, mas o principal problema dessas construções é a insalubridade. "Muitos cômodos são construídos sem janelas, sem ventilação. Isso pode provocar uma série de problemas de saúde", explica.


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