Folha de S. Paulo


Balada gospel leva mais de mil fiéis à noite da rua Augusta em SP

"É balada gospel! Hahahahahaha!" Sábado, meia-noite, um grupo de adolescentes aponta para uma longa fila na calçada e tira sarro.

A julgar pelo estilo e faixa etária, porém, são jovens parecidos com os 1.100 evangélicos que ocupam toda a quadra entre as alamedas Itu e Jaú na mesma rua Augusta dos bares, casas de prostituição e "inferninhos".

A diferença é que eles estão no lado dos Jardins, e não no baixo Augusta, no centro.

Os fiéis têm entre 16 e 28 anos. Alguns são manos, de calça big e tatuagem. Outros se vestem como funkeiros: boné de aba reta e correntes douradas enormes penduradas no pescoço. Há os moderninhos, de calças skinny coloridas, e os mais básicos.

Todos esperam para entrar na mais antiga das 113 unidades da igreja neopentecostal Sara Nossa Terra na Grande São Paulo, onde começaria a festa Colors. Promovida duas vezes por ano, reúne jovens de outras denominações como Renascer, Assembleia de Deus e Videira, entre outras.

Leticia Moreira/ Folhapress
Cardápio de balada gospel na rua Augusta dispensa álcool
Cardápio de balada gospel na rua Augusta dispensa álcool

A entrada para a pista custa R$ 20. A área VIP sai por R$ 35. É que lá tem um "bar mais bacana", diz o bispo Christiano Guimarães, 38, responsável pelo evento. "Além de suco, refri e energético -muuuito energético-, tem batida. Sem álcool, claro."

Os jovens são orientados a não beber, não fumar nem transar antes do casamento. Para preservar os preceitos religiosos, as festas têm olheiros à paisana chamados de atalaios. Quando um casal começa a se exceder, é rapidamente interrompido.

"Não tem como negar. O jovem evangélico não tem opção para se divertir. Boliche todo dia cansa. Muitos acabam indo para baladas seculares. E isso interfere no modo de vida cristão", diz João Rodrigues, 33, conhecido como DJ MP7, produtor de noitadas evangélicas.

"Não há nada mais bonito do que chegar à lua de mel e olhar aquela pessoa que você escolheu para a vida e saber que ela é sua e você é dela", diz Roger Pontes, 23.

Ele é cantor e lançou a música "Vem me Encontrar" naquele sábado, 22 de março. Diz o refrão: "Senhor, quero estar com você. Porque é tudo o que preciso ter. Não dá, não vou sair sem te encontrar".

A festa vai começar

MP7 sobe ao palco: "Espero que todos vocês tenham passado desodorante. Porque agora cada um vai dar um abraço na pessoa que está ao seu lado, se apresentar. Glória a Deus". "Glória a Deus", repetem os baladeiros.

Ele passa o microfone ao bispo Christiano: "Tem crente aqui ou não tem?". "Teeeem!", respondem lá embaixo. "Pai, nós queremos te adorar esta noite. Esta festa é para o teu louvor e tua glória", continua. "Eu declaro que o povo mais feliz de São Paulo está aqui e agora!" Os jovens entram em euforia.

MP7 inicia uma contagem regressiva:"10, 9, 8...". A música é ensurdecedora. "7, 6, 5..." "Faz barulho, faz barulho!", ele incentiva. "4, 3, 2, 1!" A festa começou.

É a primeira vez que Crislaine Silva Costa, 21, vai à Colors. Ficou sabendo pelo Facebook e foi com "o pessoal da igreja" de São Bernardo do Campo (na Grande São Paulo) até a região central. Pretende voltar para casa do mesmo jeito -de manhã. Ela tem uma tatuagem na nuca, nunca namorou nem pretende "tão cedo".

É o mesmo caso de MP7, que diz estar "esperando a pessoa certa". "Não é fácil. É uma luta constante, por causa da mídia, do 'BBB'. Mas se eu transar com uma menina só porque ela é gostosa, vou agir como um bicho. Não vou me preocupar com o que ela sente? A gente preza por isso."

Ele conta que costuma ser assediado. "Mas penso como o padre Fábio de Mello. Ele diz que antes de ser famoso, é padre. Eu também. Antes de famoso, sou um líder religioso."

EXPOENTE

Bispo Christiano é um expoente do que a Sara Nossa Terra chama de Arena Jovem. Mineiro de Belo Horizonte, em 2000, aos 24 anos, converteu-se e logo começou a "liderar". Três anos mais tarde, abriu uma unidade da igreja em Nova Lima, na região metropolitana de BH, com 150 membros.

Em 2008, foi mandado para São Paulo para expandir o ramo paulista da Sara. Nos últimos três anos, no comando da unidade da rua Augusta, fez o número de fiéis jovens passar de 150 para 1.000.

Engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, passa as manhãs em sua própria consultoria; as tardes e noites na igreja. Christiano comanda oito discípulos, que têm por sua vez 12 discípulos e assim sucessivamente.

Seu "mandato" na Augusta coincidiu com a popularização das festas gospel. Desde 2009, as igrejas fazem seis delas por ano. A maior é a Sky, da Renascer, que chega a reunir 6.000 jovens no Renascer Hall, na Mooca. Neste ano, ela acontecerá em maio.

O bispo Felipe Corrêa, 28, é quem a organiza. Os ingressos variam de R$ 15 a R$ 25. "É para cobrir os custos. A gente não visa o lucro", diz.

O DJ MP7 concorda. Ele considera os R$ 6.000 que faz por festa uma "merreca" perto do que ganham produtores seculares. "Soa como negócio, mas não é. É pelo encontro, para resgatar os valores da família. Senão, eu estava aí fora."


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