Folha de S. Paulo


Glória Perez

Autora de 'Caminho das Índias' terminou de escrever novela na quimioterapia

Glória Perez havia escrito menos da metade da novela "Caminho das Índias", em 2009, quando soube que estava com câncer, um linfoma.

Nos meses seguintes, conciliou a produção com o tratamento: chegou a levar o computador para as sessões de quimioterapia.

O fim da novela coincidiu com o esperado diagnóstico: a autora superou o câncer; meses depois, sua novela venceu o prêmio Emmy Internacional.

*

Eu me lembro bem daquele dia. Fui cortar o cabelo e ia me arrumar para sair à noite. Quando cheguei em casa, ao olhar no espelho, percebi que havia algo no meu pescoço, um ovo. Apareceu de repente. Quando eu estava no cabeleireiro, não havia nada.

Fui ao médico, um clínico geral, para saber o que estava acontecendo. Ele fez alguns exames e, alguns dias depois, me ligou. Pediu que eu fosse imediatamente ao consultório dele.

Já percebi que a notícia não era boa. Fui até lá com o coração na mão, mas também achando que talvez ele estivesse exagerando.
Ao entrar na sala, soube que era um linfoma na tireoide. Saí dali direto para o consultório de um especialista. Foi tudo muito rápido, tudo no mesmo dia.

Enquanto eu aguardava ser chamada para essa segunda consulta, eu pensava: meu Deus, quanto tempo será que tenho de vida? Três anos? Três meses?

Fabio Martins/AgNews
Glória Perez no final do capitulo de Salve Jorge
Glória Perez no final do capitulo de Salve Jorge

Antes dessa segunda conversa, fiquei chapada com a notícia de que tinha câncer. Quando a porrada é grande demais, você paralisa. Como ainda não tinha a dimensão do problema, não sabia nem se era para chorar. Não sentia nada.

É um choque grande porque, por muitos anos, o diagnóstico de câncer significava quase uma condenação à morte. Por isso, naquele instante, tive a sensação de ser obrigada a sair correndo de um lugar sem ter tempo de arrumar as malas.

Disse ao médico: "Quero ouvir a verdade". Ele explicou que, no meu caso, as chances de cura eram de 80%. Achei bom. Fui preparada para ouvir que não tinha chance nenhuma.

Se me dessem 30% de chances, ia achar que já era um ponto de partida. Tudo depende da maneira como você encara as coisas.

O médico me disse que o tratamento dependia de medicamento, mas também da maneira como o paciente lidava com a situação. Lembrou que eu tinha uma grande contribuição a dar.

O ânimo do paciente tem influência direta no processo. Decidi, de imediato, que faria a minha parte.

AJUDA

Naquela época, eu estava escrevendo a novela "Caminho das Índias". Liguei para a Globo e avisei o que estava acontecendo. Depois, falei com o Carlos Lombardi e a Elizabeth Jhin [autores de novela da emissora] para pedir o apoio deles durante aquele período.

Os dois ficaram de sobreaviso. Caso não tivesse condições de escrever, eles entrariam na história.

Produzi mais de cem capítulos durante o período de tratamento, mais da metade da novela. Por muitas vezes, escrevi os capítulos durante as sessões de quimioterapia.

Cheguei a pedir a ajuda [de Lombardi e Jhin] nos dias em que estava muito cansada em consequência da quimioterapia. Mas nunca estive completamente fora de um capítulo inteiro.

Em alguns momentos, fiquei muito debilitada após a quimioterapia. Também perdi os cabelos. É um tratamento forte, que baixa a imunidade.

Há dias em que você quase não aguenta levantar da cama, em outros fica bem, como se não tivesse problema algum. Cada organismo reage de um jeito. Quando a novela chegou ao fim, eu soube que estava tudo bem, que não tinha mais nada.

Por isso, me emocionei tanto com aquele Emmy [principal prêmio da TV mundial]. Foi um esforço muito grande. Fui à cerimônia receber o prêmio ["Caminho das Índias" venceu como melhor telenovela].

Me agarrei ao Emmy. O troféu foi para minha estante, onde permanece até hoje. Acho que mereci.


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