Folha de S. Paulo


De albergue a invasão, garoto e seus pais esperam por moradia há dez anos

Do 13º andar de um edifício no coração da região da Luz, João Vitor Silva Santana, 7, poderia ter uma bela panorâmica do centro de São Paulo e dos extremos da cidade até a serra da Cantareira. Só que o menino jamais espia a vida pela janela do seu quarto: entra em pânico.

Teme que se repita uma cena ocorrida quando tinha dez meses de vida, mas que fotos guardadas pelos pais insistem em manter recente na memória. João Vitor foi arremessado pela mãe do primeiro andar do antigo edifício São Vito durante confronto entre a Tropa de Choque e oito grupos de sem-teto, na noite de 9 de abril de 2007.

Cerca de 400 integrantes de movimentos de sem-teto invadiram o prédio, então um dos "treme-tremes" mais populares de São Paulo. Naquela ocasião, pelo menos dez pessoas ficaram feridas.

O ex-cortiço vertical, no parque Dom Pedro, estava abandonado desde 2004, quando foi esvaziado pela prefeitura para uma reforma, que nunca aconteceu.

Apu Gomes/Folhapress
Sara e Jailton Silva, com o filho João Vitor, 7, numa quitinete alugada no centro
Sara e Jailton Silva, com o filho João Vitor, 7, numa quitinete alugada no centro

No momento em que a Tropa de Choque entrou no prédio, João Vitor estava preso a um macacão "canguru" no peito da mãe, a cozinheira desempregada Sara dos Santos Silva, 44, uma das invasoras.

"A polícia tinha lançado gás lacrimogêneo, e o menino não conseguia respirar."

Foi aí que a mãe tomou uma atitude dramática para salvar a vida do filho: jogou a criança da janela. Um homem escalou a parede do prédio para ajudá-la. O bebê foi agarrado por um sem-teto que estava no térreo, na avenida do Estado. De imediato, deram água para a criança, que voltou a respirar.

Sete anos depois, João Vitor continua a transitar no meio de sem-teto, na região central de São Paulo.

Desde a expulsão que quase resultou na sua morte, o menino também se alimenta da esperança dos pais de ter a casa própria. Os cabelinhos encaracolados da época da foto ao lado hoje passam da cintura. João Vitor diz que vai deixá-los crescer ainda mais para vender como peruca.

SEIS NUMA QUITI

Sara e o pai do garoto reconhecem que há sem-teto que transformaram o movimento de invasões num negócio, que envolve, por exemplo, venda e aluguel de imóveis, entre outras irregularidades. Negam, porém, qualquer envolvimento com esses grupos.

O deficit habitacional em São Paulo é de 230 mil moradias, segundo a Secretaria Municipal da Habitação.

Baiana de Itaberaba, região da Chapada Diamantina, Sara já era mãe de quatro filhos em 2006, quando, após brigar com o ex-marido, fugiu para um albergue da prefeitura. Ali, engravidou de um morador, o também baiano Jailton Silva Santana, 12 anos mais novo que ela.

João Vitor nasceu e viveu os primeiros meses de vida no albergue, antes de começar a maratona de mudanças por quatro ocupações. Com elas, também trocava de escolas. Hoje, cursa o segundo ano do ensino fundamental num estabelecimento da prefeitura no centro paulistano.

Há dez meses, a família aquietou-se. Ocupa uma quitinete de 28 m2 num prédio na região da cracolândia. Aluguel e condomínio: R$ 1.000.

Parte da grana vem do salário de R$ 1.200 de Jailton, que trabalha como operador de máquinas nas obras de ampliação de Cumbica.

De bolsa-aluguel do governo de São Paulo, ele ganha R$ 400, mesmo valor pago a Sara, por causa da desapropriação de um bar que ela mantinha na cracolândia, mas os repasses já têm fim anunciado para maio.

Sem perspectiva de onde irá morar, a família de teto provisório dá como certa a retomada das ocupações.

Enquanto a data de uma nova invasão não vem, João Vitor se esparrama pela cama que divide com os pais e passa horas a desenhar e pintar sua ilustração favorita: casas.


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