Folha de S. Paulo


No Morumbi, medo é rotina para quem passa pelo 'ladeirão'

Terço sempre à mão, a portuguesa Maria dos Anjos Pereira Aguiar, 80, engata a segunda e vai vencendo em seu Gol os cerca de 500 metros do "ladeirão do Morumbi", na zona oeste de São Paulo.

Anda, para, volta a andar. Finalmente chega ao semáforo na esquina com a avenida Giovanni Gronchi. São 14h e faz mais de 30º C. O jeito é abrir a janela e torcer para nada acontecer durante o minuto e meio de espera.

Eduardo Anizelli - 13.fev.14/Folhapress
Carros passam pelo redutor de velocidade do
Carros passam pelo redutor de velocidade do "ladeirão" no bairro do Morumbi, zona oeste de SP

Católica fervorosa, Maria não deixa de rezar ao passar pela rua, que fica a apenas 2 km da sede do governo do Estado. "Abri a janela, mas estou rezando. Isso aqui é um horror", afirma.

Ao menos uma vez por semana ela passa pela via, que faz parte de seu caminho até o cemitério da Paz. Nove membros de sua família estão enterrados lá. Entre eles, uma irmã vítima de assassinato.

A ladeira que causa tanto medo à aposentada é a rua Doutor Francisco Thomaz de Carvalho, a mesma onde a filha do vice-governador, Guilherme Afif Domingos (PSD), Maria Cecilia Domingos Sayoun, 33, sofreu uma tentativa de assalto em 2013.

A rua fica ao lado da favela de Paraisópolis e é uma das principais ligações do Morumbi com a marginal Pinheiros.

A Folha acompanhou o movimento durante um dia no local. Poucos são os que dizem andar tranquilos por ali. "Sou daqui de dentro [Paraisópolis], mas eu, se fosse você, não ficava muito. Bom não é", diz o motorista de uma Kombi que emenda, pedindo para não se identificar, "Deixa pra lá, né irmão?".

Há uma base móvel da Polícia Militar bem no meio do quarteirão, mas nem isso evita que os assaltos se repitam.

Ali, no dia 9 de fevereiro, o policial federal Marcelo Miranda, 46, levou um tiro na cabeça durante um assalto. A mulher e a filha de 4 anos estavam ao seu lado.

De acordo com a polícia, o assaltante se aproximou do carro de Marcelo e mandou ele entregar os objetos pessoais. Ao se abaixar para pegar uma bolsa, foi baleado.

O suspeito fugiu sem ser identificado. Marcelo morreu uma semana depois.

No último dia 27 de janeiro, o engenheiro argentino Gonzalo Firvida foi abordado na mesma rua. Ao tentar fugir, também foi atingido.

Levado pela mulher até o Hospital Albert Einstein, chegou a ser atendido, mas não resistiu aos ferimentos.

Os dois casos recentes reforçaram o medo na região. "Estou aqui há 40 dias e já vi dois assaltos bem na minha frente", diz o vendedor José Gomes da Silva, que trabalha em uma loja de revestimentos quase na esquina com a avenida Giovanni Gronchi.

Silva mantém a porta fechada o dia inteiro. "É raro alguém vir aqui, preciso sair para atender os clientes, não é seguro", afirma.

Para tentar dar mais segurança ao "ladeirão", a CET anunciou –a pedido da PM– para este fim de semana a mudança de mão na via.

Com a alteração, a subida para a Giovanni Gronchi passar a ser feita pelas ruas Antônio Júlio dos Santos e João Avelino Pinho Melão.

Procuradas, a Polícia Militar e a Secretaria da Segurança Pública não informaram o número de ocorrências nos últimos meses no local.

Por precaução, Maria dos Anjos vai continuar rezando.


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