Folha de S. Paulo


Defesa abandona plenário e júri do massacre do Carandiru é cancelado

O advogado Celso Vendramini, que defende os 15 policiais militares acusados de matar oito presos no terceiro andar do Carandiru, no massacre ocorrido em 1992, abandonou o júri na tarde desta terça-feira (18), enquanto ocorria o interrogatório dos réus. Com isso, o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo suspendeu o julgamento.

O conselho de sentença foi dissolvido, segundo o Tribunal de Justiça. Dessa forma, tudo que foi feito nesses dois dias de júri foi cancelado e uma nova data ainda será definida para que o julgamento recomece.

Vendramini abandonou o júri quando o coronel Arivaldo Sérgio Salgado, comandante da tropa do COE (Comando de Operações Especiais) que atuou no massacre, prestava depoimento à Promotoria. O oficial relatava como foi a operação de sua tropa no terceiro andar do pavilhão 9.

Em sua vez de fazer perguntas, a Promotoria leu trechos de um depoimento de Salgado dado à PM 20 dias após o massacre, em que ele afirmava não ter visto presos mortos no térreo. O objetivo do promotor era confrontar essa afirmação com o depoimento de um agente penitenciário dado hoje de manhã. Arrolado pela defesa, esse agente afirmara que viu cerca de 50 mortos no piso térreo antes da entrada da polícia.

O advogado irritou-se porque o promotor estava lendo trechos do depoimento antigo de Salgado antes de fazer perguntas. Para o advogado, o papel da Promotoria durante o júri é perguntar, e não ler.

A defesa pediu então a intervenção do juiz, que não acatou. Irritado, Vendramini se retirou do plenário. "Estou abandonando o plenário em protesto a esse tipo de inquisição", disse.

Já do lado de fora do fórum da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), ele acusou o juiz de ser parcial.

"Está faltando ao Judiciário juízes com competência para atuar no Tribunal do Júri. Ontem, depois do julgamento, eu fui chamado pelo juiz de mal educado, porque tive uma discussão com o Ministério Público. Ele estava tendenciando para o Ministério Público."

"Ontem, o juiz ficou 40 minutos trancado com os jurados numa sala sozinho, e ele não deve fazer isso, porque isso causa suspeita. Hoje foi a gota d'água. Estou cansado. Ele que marque uma nova data e nós vamos voltar para fazer o julgamento", acrescentou Vendramini.

O advogado negou que sua saída do júri tenha sido parte da estratégia da defesa.

Para a acusação, a atitude da defesa ocorreu porque as provas estão do lado do Ministério Público. "Ele [Vendramini] percebeu que o plenário caminhava para a solução que ele não gostaria que acontecesse e optou por abandonar", afirmou o promotor Marcio Friggi.

"Os advogados não têm o costume de fazer isso. Foi uma afronta, um desrespeito a lei, desrespeito a sociedade em geral. Realmente lamentável", disse o outro promotor do caso Eduardo Olavo Canto Neto.

TENSÃO

Desde o início desse bloco de julgamento, defesa e acusação têm se desentendido.

No primeiro dia do júri, o Ministério Público se queixou que o advogado estaria sendo desrespeitoso com uma das testemunhas.

Na ocasião, a acusação chegou a interromper as perguntas que Vendramini fazia a testemunha Moacir dos Santo, ex-diretor de segurança e disciplina do Carandiru.

O juiz então interveio, afirmando que os trabalhos no plenário só continuariam se fossem feitos de forma adequada.

Apesar dissolução do júri hoje, o Tribunal de Justiça informou que a quarta etapa do julgamento do massacre do Carandiru começará no dia 17 de março. Nessa fase, policiais do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) serão julgados pela atuação no quarto andar do pavimento 9.

Em abril de 2013, 23 PMs que entraram no primeiro andar do prédio foram condenados a 156 anos de prisão cada um, e outros três foram absolvidos. Na segunda etapa, em agosto, 25 PMs receberam pena de 624 anos.


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